Rumos incertos

Programas de Haddad e Alckmin mudam dentro e fora do 'fluxo'

FABIANO MAISONNAVE
EMILIO SANT'ANNA
DE SÃO PAULO

Alvo de resistência de segmentos opostos nos últimos três anos, os programas de Haddad e de Alckmin para tratar usuários de droga passam por uma fase de expansão e de abertura de novas vagas –dentro e fora da cracolândia, no centro de São Paulo.

No final do atual mandato do petista e sem garantia de continuidade em 2017, o Braços Abertos passa por seu maior ajuste desde que começou, em janeiro de 2014. Ao longo deste mês, todos os participantes abrigados em hotéis dentro da cracolândia serão transferidos para prédios mais afastados.

A proximidade com a região do "fluxo" –quarteirão da alameda Dino Bueno onde se concentram até 500 usuários durante a noite– sempre foi um dos principais alvos de críticas ao programa.

Agora, a iniciativa será levada para outras seis regiões da cidade até o final deste ano. Novas vagas em hotéis para atuais beneficiários serão criadas nas regiões da Consolação e do Parque Dom Pedro 1º, afastando-os da cracolândia.

Fábio Braga - 29.jul.2016/Folhapress
Favelinha' montada por usuários de drogas na região do Ceagesp, na Vila Leopoldina (zona oeste)
"Favelinha" montada por usuários de drogas na região do Ceagesp, na Vila Leopoldina (zona oeste)

Além destes, outros 70 beneficiários serão incluídos na Vila Leopoldina (oeste), 70 na Vila Mariana/Ipiranga (sul), 70 em M'Boi Mirim (sul) e 60 em Cidade Tiradentes (leste). As frentes de trabalho também poderão se deslocar.

O programa já tem uma unidade fora da região da Luz, na Freguesia do Ó, zona norte. O Braços Abertos tem atualmente cerca de 500 beneficiários. Outros 216 estão em uma fila de pré-cadastro.

Para o psiquiatra e professor da Unifesp Jair Mari, a proximidade com o tráfico não é um problema apenas para os que fazem parte do programa. O "fluxo", diz o médico, é outro ponto a ser atacado –não como higienismo, mas como prevenção aos usuários e a outras pessoas.

"Permitir que se use droga na rua daquela forma, sem intervir, me preocupa", diz. "Isso tem um efeito epidêmico. Existe uma facilidade de acesso. O jovem que passa por ali, conhece alguém, vai estar exposto ao uso. E o crack é uma droga que o baixo uso leva à dependência."

Assim como o modelo de outros países –o Canadá, por exemplo–, ele defende que exista um espaço fechado e controlado para o uso da droga como forma de redução de danos e prevenção. "O maior problema é a exposição na rua, que também traz violência", diz o psiquiatra, defensor de medidas de redução de danos sem descartar que existem pacientes que precisam de internação.

NOVA ALA

O Recomeço, da gestão Alckmin, se prepara para abrir vagas de internação e de desintoxicação na unidade da rua Helvétia, 55, a poucos metros do "fluxo". Mas argumenta que esses pacientes não terão contato com os usuários de crack nas ruas –já que estarão internados. No local já funcionam serviços como banho, acolhimento, academia de ginástica e uma barbearia.

A abertura da nova ala estava prevista para o ano passado, mas o contrato entre a Secretaria de Estado da Saúde e a organização social SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), que administra o local, chegou a ser suspenso pela Justiça, em 2014.

Apu Gomes - 24.jun.2014/Folhapress
Unidade do Recomeço na rua Helvétia, na Luz
Usuária de crack caminha na rua Helvétia, em direção à unidade do Recomeço, na Luz

A decisão era provisória, e a liminar pedida pelo Ministério Público do Estado se baseava no fato de o psiquiatra Ronaldo Laranjeira ser o coordenador do Recomeço e ter ligação com a SPDM. Após o imbróglio jurídico, o coordenador afirma que o local deve ser aberto ainda neste mês. O conceito, diz Laranjeira, é ter uma "linha de cuidados no mesmo local".

"A vantagem é que tínhamos esse prédio do Estado, que estava desocupado, e será um ambiente mais controlado do ponto de vista médico. É uma das soluções para acabar com essa anomalia que é a cracolândia. Quem estiver lá para a desintoxicação vai estar abstinente. Terá também mais três andares de moradia. A pessoa vai morar lá com mais regras. Terá controle de urina, só volta se estiver abstinente", afirma.

Ao todo, o Estado mantém 3.304 vagas de internação, divididas em hospitais próprios e clínicas privadas.