Introdução

Falta de diálogo emperra ações de Haddad e Alckmin na cracolândia

FABIANO MAISONNAVE
EMILIO SANT'ANNA
DE SÃO PAULO

Um quarteirão ocupado por centenas de usuários de drogas na alameda Dino Bueno, na região da Luz, no centro de São Paulo, é a face mais visível do que há 20 anos é conhecido como "cracolândia".

Nos últimos três anos, a opção das gestões Fernando Haddad (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB) pelo tratamento desses dependentes se sobrepôs à repressão policial. Os resultados, no entanto, são prejudicados pela própria falta de interação entre as ações de Estado e prefeitura, segundo médicos e agentes sociais ouvidos pela Folha.

Com dois programas independentes e parcialmente antagônicos para cuidar de viciados de crack, as gestões Haddad e Alckmin não fazem nem um procedimento considerado básico na área médica: compartilhamento oficial de informações dos dependentes atendidos.

Joel Silva/Folhapress
Tráfico de drogas em barracas no 'fluxo' da cracolândia, no centro de SP
Tráfico de drogas em barracas no "fluxo" da cracolândia, no centro de São Paulo

Na prática, só há conversas informais por agentes de saúde nas ruas, e um viciado pode começar um tratamento sem que se saiba o que já foi diagnosticado sobre ele.

"Temos excelentes programas dentro da cracolândia. Só que eles não se falam, infelizmente. São usados para plataforma política. O usuário fica perdido nesse tiroteio", diz Jair Lourenço Silva, 54, psiquiatra e gestor da comunidade terapêutica Estância Primavera, que recebe pacientes do programa Recomeço, do governo Alckmin.

Lourenço Silva diz não conseguir nem encaminhamento formal de viciados de um programa ao outro –para tratamentos diferenciados a depender do perfil do paciente.

O mesmo diagnóstico tem Dartiu Xavier, psiquiatra, professor da Unifesp e ex-coordenador de treinamento do Braços Abertos, de Haddad.

Além de apontar a falta de atendimento de saúde aos beneficiários do programa municipal, ele cita um caso prático com que se deparou. "Um técnico estava fazendo um trabalho de reinserção social de um paciente de rua, com vários ganhos. Chegou uma ambulância [a serviço] do Recomeço e levou esse indivíduo. Desaparece e ele é internado. É muito comum, interromper o trabalho do outro."

Avener Prado/Folhapress
Sobrevoo da região onde se concentram usuários de crack no centro de SP
Esquina da alameda Dino Bueno com a rua Helvétia, no centro de São Paulo

"Infelizmente [não tem], mas deveria ter essa integração. Ninguém é dono da verdade e das soluções", admite Ronaldo Laranjeira, psiquiatra e coordenador do Recomeço. "O cara do Braços Abertos deveria saber o que o cara do Recomeço faz, e vice-versa."

O psiquiatra, no entanto, afirma não acreditar na estratégia do programa municipal para que usuários de crack reduzam seu consumo em contato com a droga.

A prefeitura diz estimar uma redução de 1.500 para 500 pessoas no total de usuários de crack concentrados nessa área nos últimos anos. Mas ao menos outras três "minicracolândias" se consolidaram longe do centro da cidade: Vila Leopoldina (zona oeste), Cidade Tiradentes (leste) e M' Boi Mirim (sul).

PROGRAMAS

Criado em 2013 pela gestão Alckmin, o Recomeço foi o primeiro a se instalar na região. Preconiza a saída do vício com tratamentos que incluem isolamento em hospitais e comunidades terapêuticas.

Um ano depois, em janeiro de 2014, a gestão Haddad implantou o Braços Abertos. A partir do conceito de redução de danos, a ação incentiva o dependente a reduzir o consumo de drogas e a aumentar a autonomia, sem necessidade de internação, pela oferta de emprego e moradia (os participantes ganham R$ 15 por dia por serviços como varrição e reciclagem).

No caso do Braços Abertos, de todos os dependentes tratados desde 2014, 40% acabaram desistindo. Em uma pesquisa feita neste ano pela Plataforma Brasileira de Política de Drogas com 80 participantes do programa, 65% deles disseram ter reduzido seu consumo de crack.

O Estado afirma que 85% das internações no Recomeço foram voluntárias –o que seria um bom indicativo do desempenho do programa.

Após críticas e mais de dois anos de convivência na cracolândia, as duas instâncias criaram um grupo –com seis representantes de cada lado– com objetivo de trocar experiências e informações. Mas houve só dois encontros, e as gestões Haddad e Alckmin já preparam mudanças em seus programas sem um planejamento em conjunto.

O prefeito Fernando Haddad nega descompasso entre as partes. "Apesar de serem abordagens diferentes, nós, às vezes, encaminhamos pro Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), do Estado, pessoas que demandam uma internação", disse.