Violência

'Direitos humanos é não roubar, respeitar os policiais', diz João, 10

PAULO SALDANA
DE SÃO PAULO

Dinossauros. Se João Victor fosse escolher um tema para nossa conversa (e para a vida, ao que tudo indica), certamente seria este. Até seus colegas conhecem essa sua fixação.

"Me chamam de dinossauro, eu não ligo muito. Eu curto, é meu jeito de ser", diz ele, que tem 10 anos e mora na região do Butantã, zona oeste de São Paulo, com o pai (que trabalha só em casa), a mãe (assistente de um consultório dentário) e o irmão mais velho.

Na entrevista, João conta um pouco sobre dinossauros, mas também fala de educação, racismo, de violência, criminalidade e direitos humanos –estes últimos, os temas escolhidos para a conversa. Ele quer ser advogado. "Direitos humanos é não roubar, respeito, respeitar as placas, respeitar os policiais", diz.

Você gosta de estudar aqui?
Eu gosto, acho legal conversar com meus amigos e tudo mais. Mas de vez em quando não dá nem vontade de sair da cama.

Mas é importante vir pra escola estudar...
É importante, pra ter um futuro bom. Se não tem trabalho nem pra quem estuda, faz faculdade e tudo mais, pra quem não estudou acho bem difícil, bem difícil mesmo.

Quais matérias você prefere?
Matemática acho interessante, a maioria dos trabalhos que você for ter vai precisar usar matemática também, é bem legal. E português, pra você conjugar, falar certo, não falar só aquelas gírias que o povo fala, minha mãe também não acha legal. Ciências eu acho legal, acho engraçado, curto muito, gosto de estudar, fiz até um trabalho de dinossauro. Porque se tem uma coisa que eu gosto mesmo, mesmo, mesmo, mesmo é de dinossauro. Eu curto muito. Fiz um trabalho lá em casa, minha mãe até gravou.

O que você descobriu sobre dinossauro? Quais você prefere?
São três que eu mais gosto: Tiranossauro Rex, talvez tenha algumas pessoas que não sabem, mas é o T-Rex; o Velociraptor, que, pra quem não viu o "Jurassic [World]", eu recomendo, é um filme bem legal; e o Espinossauro, é como se fosse um dinossauro meio de terra, meio aquático, ele tem como se fosse um negócio nas costas, que pode nadar bastante, é tanto aquático quanto terrestre, dinossauro bem forte.

Onde você descobriu isso tudo?
Ah, eu pesquiso muito no Youtube. Tem um vídeo, "Luta Jurássica", nossa... recomendo muito! Entra no YouTube e vê "O caçador de T-Rex". Gosto muito de dinossauro!

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 19-09-2017: Especial Superpauta Criancas. Serie de entrevistas com criancas. Garoto Joao Victor C Simionato, 10 anos, mostra um de seus desenhos. Ele cursa o 5o ano do colegio estadual Keizo Ishihara, no Butanta (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS).
João Victor mostra desenho de tubarão que ele fez no caderno

Eu soube que os dinossauros não viveram ao mesmo tempo que os seres humanos.
Faz muito [tempo], foram extintos por um meteoro.

Como você sabe que os dinossauros existiram mesmo?
Fósseis, ossos de dinossauros que foram reconstruídos. Dá pra saber. Alguns dinossauros ainda não têm fósseis completos. Nunca se sabe, ainda pode existir mais dinossauros além da nossa fronteira. Pode ser. Se eu crescer e não conseguir minha carreira como advogado, vou fazer uma própria empresa minha sobre isso, sobre dinossauros.

Mas se você gosta tanto de dinossauro, por que quer ser advogado?
Se eu trabalhar com fósseis, vai ser bem difícil ganhar um salário bom, porque quando eu tiver 18 anos, uma idade boa pra trabalhar com isso, não vai ter muitos fósseis pra escavar, já vão ter achado a maioria. Eu tô pensando assim, advocacia é uma coisa que sempre vai ter no mundo, sempre vai ter uma coisa errada e alguma coisa boa. Mas eu sempre vou querer estudar mais sobre dinossauros. Vou estar sempre abrindo os negócios pra pessoas se informarem. Todo mundo me zoa, me chamam de dinossauro, eu não ligo muito. Eu curto, é meu jeito de ser, então eu continuo assim.

Tem gente que não gosta que você goste de dinossauro?
Tem gente que me zoa. Mas eu não dou muita bola, eu deixo eles falarem e eu vou fazendo minhas coisas, vou estudando e continuando a minha vida.

O que você acha da escola? É boa? O que podia melhorar?
A escola é boa, é legal, todo mundo pode brincar na quadra, as aulas são boas, eu aprendo muita coisa aqui. Foi daqui que saiu o meu fundamental. Coisas que podiam melhorar: o pátio do recreio não podia ser tão áspero, podia ser mais liso, porque as pessoas podem cair no chão e se ralar todo. É muito ruim. Como eu posso dizer, ter mais brinquedos no recreio, porque geralmente só tem um pebolim. As crianças aprontam... Amanhã era pra ser o nosso dia de jogar o pebolim, mas por culpa dessas pessoas a gente não vai poder jogar.

E você não apronta, não? Você sempre fala dos outros?
Não... não sou um anjo. Eu... mais ou menos, posso dizer assim.

E com relação às aulas, pode ser diferente? Como você acha que pode ser diferente?
Na minha opinião, eu gostaria que fossem mesas redondas, como essas aqui, redondas, e tivesse outro em uma mesa. E todo mundo, "ei, me ajuda aqui". Dois inteligentes e dois que precisam de ajuda. E continua assim, porque a professora não tem tanto trabalho. Os dois inteligentes competem um pouquinho e ajudam os outros dois. A primeira vez que for entrar na escola você já tem que saber o que você quer. Você fala, eu quero ser advogado, aí você vai para uma sala que só trata especificamente de advocacia. Aí vai ter uma mesa faltando e você entra nessa mesa. Na minha opinião, seria uma boa coisa pra fazer na classe.

Você viu isso em algum lugar? De onde tirou as informações?
Eu tirei várias ideias dos filmes, da minha cabeça, eu penso muito. Sempre antes de ir dormir eu fecho os olhos e fico pensando em algumas coisas que eu poderia modificar no mundo, desse gênero.

Qual foi a última coisa que você pensou?
Eu queria ser um youtuber, muito famoso...

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 19-09-2017: Especial Superpauta Criancas. Serie de entrevistas com criancas. Retrato do garoto Joao Victor C Simionato, 10 anos. Aluno do 5o ano do colegio estadual Keizo Ishihara, no Butanta (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS).
João Victor Simionato tem 10 anos e pretende ser advogado, embora seja apaixonado por dinossauros

Você já tem um canal?
Eu tenho um canal, eu gosto de falar de Minecraft, nerfs, coisa do gênero. Quero fazer coisas que as pessoas curtam, mas não fazer coisas repetidas. Minecraft, essas coisa de nerfs, já tem no YouTube. Eu quero fazer uma coisa nova, que tipo exploda a cabeça da pessoa, que fale "nossa senhora, esse negócio é interessante". Quero ver, entendeu?

Você ainda não tem a ideia?
Não tenho a ideia, porque tem tanto vídeo no YouTube. Não sei.

Quando você procura informações sobre o que está acontecendo no mundo, você vê na internet ou na televisão?
Ah, eu vejo na TV, de noite. Sempre passa jornal e eu vejo lá. E hoje de manhã mesmo antes de vir pra escola, eu vi no jornal que aconteceu umas coisas bem trágicas. Eu não posso sair muito de casa porque perto da minha rua teve tiroteio, duas vezes.

Queria saber como que foi esse tiroteio.
Tipo, tem um posto com negócio de suco. Eu fui pegar o suco, umas bolachinhas... Fui saindo e estava voltando tranquilo, aí aconteceu o tiro. Minha prima estava lá brincado e "taaaa". Aí falei "meu Deus, ferrou!". Peguei meu suco, fui derrubando tudo, comendo minha bolacha, olhando pra trás assim, aí eu tomei tudo, botei no chão ali e peguei umas duas pedras. Eu falei pras minhas primas: "Entra pra dentro, entra todo mundo aí que eu vou ficar olhando". Aí eu vi o cara com a arma passando. Ele olhou pro carro onde eu tava escondido, só que ele foi pro outro lado, aí eu corri por trás dele. Eu fiquei com raiva porque ele me assustou, fiquei bravo. Não gosto que as pessoas me assusta. Eu ia jogar a pedra nele, mas se eu jogasse eu podia não tá mais aqui.

E por que ele deu um tiro? Era um assalto, o que era?
Acho que era um assalto. Não sei, talvez passe no jornal. Espero que passe pras pessoas saberem, né?! Mesmo com você sentadinho pode acontecer o pior. É o mundo que a gente tá vivendo, né?! Tá bem difícil.

Por que você acha que tem tantos roubos? Qual o problema? Existe um problema social por causa desses roubos ou são as pessoas que são más?
Ah! Eu acho que é uma questão dos políticos. Aparece muito na TV que tem político ladrão nesse mundo. É o que eu vejo. Falam que eles soltam os ladrões muito cedo. Tem ladrão que mata, rouba e, tipo, não passa um dia na prisão. Então eu tenho minhas opiniões de cadeia, mas acho que algumas pessoas não vão concordar comigo. As mães dos ladrões também não vão concordar comigo.

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 19-09-2017: Especial Superpauta Criancas. Serie de entrevistas com criancas. Sala de aula do colegio estadual Keizo Ishihara, no Butanta, onde estuda o aluno Joao Victor C Simionato, 10 anos, do 5o ano (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS).
Na opinião de João, as aulas só seriam em mesas redondas e todos ajudando uns aos outros

Você acha que a desigualdade ocorre porque as pessoas não trabalham, as pessoas não querem ganhar dinheiro, ou por que as pessoas têm dificuldades?
Não, não, a maioria tem dificuldade. Na maior parte das vezes, a dificuldade é que a família deles já é pobre, ou seja, é bem difícil você começar do zero pra chegar no dez, ou seja, pra ficar rico. Eu vi, faz um tempo, que um pobre trabalhou muito, ele tava no zero, foi pro cinco, que é metade, e aí foi pro dez. Um pobre que ficou rico, ou seja, todo mundo pode ficar rico, é só querer.

Você conhece muita gente rica?
Uma só.

Mas se você falou que todo mundo pode ficar rico, por que só uma conseguiu?
Não... É porque é difícil ser rico, você tem que trabalhar muito. Geralmente, é só uma pessoa que trabalha, é bem difícil enriquecer sozinho. Na minha casa, só minha mãe trabalha.

E sua mãe trabalha com o que?
Ela trabalha de dentista, mas só ajudante mesmo.

Você acha legal a profissão dela? Eu acho, tipo... é legal, mas não acho muito divertido. Ela pode mexer no computador e tudo mais, é um trabalho bem cansativo também. Tem que ficar indo pra lá, pra cá... Eu ligo demais pra conversar com a minha mãe porque é muito chato ficar em casa.

E você fica com seu pai?
Minha mãe trabalha, meu pai fica lá em casa fazendo comida, arrumando a caminhonete dele, da família. Ele cuida, meu pai é como se fosse a mulher da casa, ele cuida de tudo lá e minha mãe é como se fosse o homem, ela trabalha o dia inteiro. Eu fico lá em casa, eu termino minha lição, e vou brincar.

Você já ouviu falar em um termo que se chama "direitos humanos"? Sabe o que é?
Direitos humanos é não roubar, respeito, respeitar as placas, respeitar os policiais. Respeitar também a cor, não ser racista como Hitler, que foi muito anos atrás.

Você acha que tem muito racismo?
É proibido, mas ainda tem. Gente que não concordou com a lei Áurea, a lei da princesa Elisabete [na verdade, princesa Isabel]. Que ela que assinou a lei Áurea pra acabar com essa escravidão. Tipo eu, eu fiquei numa praia uns dias aí e fiquei pretinho. Pretinho, pretinho, pretinho.

Mas por que as pessoas olham e julgam a cor da pele dos outros?
Burrice, burrice. A pessoa não entende que se ela ficar no sol também vai ficar negra. Tipo eu, eu fiquei numa praia uns dias aí e fiquei pretinho. Pretinho, pretinho, pretinho.

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 19-09-2017: Especial Superpauta Criancas. Serie de entrevistas com criancas. Sala de aula do colegio estadual Keizo Ishihara, no Butanta, onde estuda o aluno Joao Victor C Simionato, 10 anos, do 5o ano (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS).
Sala de aula da escola estadual Keizo Ishihara, no Butantã, onde estuda Joao Victor Simionato

Aqui na escola tem muito bullying?
Nossa, demais. Meu Deus! Eu já passei muito por isso. Todo mundo me chamando de Rapunzel, branquelo. Branquelo até que eu aceito, minha família, mas me chamam de Rapunzel por causa do meu cabelo grande. De vez em quando eu não dou bola, mas às vezes me irrita.

Você sabe quem é Sérgio Moro?
Não.

Nunca ouviu falar?
Você sabe quem é o Resende?

Resende?
Resident Evil.

Ah! É um jogo?!
Não, é um youtuber.

Você sabe quem é o Temer?
Já ouvi falar...

Você acha que ele é legal ou não é?
Muito mau.

Você gosta de falar de política? você acha que política é importante? Acho importante, mas o Temer é mau que nem Pica-pau.