Saúde

'Tinha que ter mais médicos e arrumar as máquinas', diz Rahianny, 10 anos

FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO

Rahianny mostrou interesse em falar sobre "hospital" já no primeiro contato com a reportagem, num bate-papo com alunos de sua turma do 4º ano na visita inicial à escola estadual Professor Dandolo (pronucia-se Dândolo) Frediani, na Vila Mascote, zona sul de São Paulo.

No segundo encontro, uma entrevista individual, hesitou em responder se já tinha sido internada. Mais para frente na conversa, ela mesma retomou a assunto e contou que teve de esperar com dor para fazer uma cirurgia de hérnia num hospital público.

Mostrou ter noção sobre o que é uma alimentação saudável e dos riscos que uma má alimentação podem trazer para a saúde já na infância. Ainda assim, disse que prefere comer salgadinho que às vezes leva de casa à merenda da escola (em geral carne, arroz e feijão).

Aos 10 anos, Rahianny Rodrigues Alves da Silva mora num apartamento na Vila Santa Catarina, zona sul paulistana, com seu pai (motoboy), sua madrasta, um irmão e uma irmã, seis gatos (Leidiane, Beatriz, Patricia, Leonardo, Nino e Eduardo) e uma cachorra, Belinha.

Antes de vir para a entrevista era a hora do recreio. Você comeu a merenda?
Comi só salada.

E o que era que tinha de merenda?
Escondidinho de carne. Acho que era escondidinho com salada.

E você não comeu escondidinho por quê?
Não gosto.

Mas de salada você gosta?
Gosto.

Me fala um pouquinho como é essa hora do recreio aqui...
Legal. A gente brinca agora estamos de castigo na escola, porque estava tendo muita briga, aí a dona Sandra [diretora-assistente] falou que a gente ia ficar sentada. Mas agora já voltou tudo ao normal. Agora podemos brincar, e a maioria das vezes a gente brinca de Uno.

Como é a brincadeira de Uno?
É assim: você pega sete cartas, ou quantas que você quiser. Aí você brinca com quatro pessoas ou com mais. Aí você vai, aí tipo se joga uma carta amarela, né? Aí tipo uma pessoa joga amarela, aí a outra pessoa tem que jogar amarela ou o mesmo número. Se for o número oito oito aí você pode jogar mas tem que ser amarela. Aí quando uma pessoa te mandar comprar quatro, você tem que comprar quatro e ficar com você, ou dois, alguma coisa, ou te bloquear para não jogar, não pode jogar... passar a vez para outro.

E a diretora tinha colocado vocês de castigo por quê?
Por causa das brigas. Porque tava tendo muita briga no recreio dos grandes.

E você faz parte já dos grandes?
Sim. Aí, nós nós não, eles brigam, aí as pessoas estavam brigando demais, demais. Começaram a brigar todos os dias, todos os dias. Aí ela tirou nosso intervalo.

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 22-08-2017: Especial Superpauta Criancas. Serie de entrevistas com criancas. Garota Rahianny Rodrigues Alves da Silva, 10 anos, mostra seu estojo que leva para a escola. Ele cursa o 4o ano do colegio Estadual Dandolo Frediani, na Vila Mascote (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS).
Rahianny, de 10 anos, mostra seu estojo, que ela leva para a escola diariamente

Mas agora voltou?
Mais ou menos. As tias falam pra gente ficar sentada mas tem outras pessoas que ficam correndo. Aí não sei.

De que você mais gosta aqui na escola?
Educação física e artes e aula de música.

E o que você não gosta?
Eu não gosto do grêmio estudantil.

Por quê?
Porque foi muita bagunça. A Alejandra [uma colega da escola], ela é do grêmio estudantil e ela também não gostou do grêmio porque no dia do grêmio eu nem consegui votar porque tava lotado.

Você falou da merenda, você não comeu escondidinho mas comeu salada. Em geral, o que tem de merenda aqui?
Tem arroz, feijão, hot dog (mas faz tempo que não tem), macarrão, carne, frango, feijão

E tem salgadinho, chocolate, doces, essas coisas?
Não. Tem que trazer de casa se você quiser.

E você traz alguma coisa de casa?
Só às vezes.

Quando você traz, você traz o quê?
Salgadinho, refrigerante. Mas a maioria da vezes eu trago bolacha e Nescau em uma garrafa.

Qual é a diferença entre essas comidas, por exemplo, refrigerantes, salgadinhos e a comida aqui da escola?
Porque o salgadinho é melhor do que a comida da escola.

E a bebida da escola? O que tem, quando servem bebida?
Nescau.

E sobre a questão de ser bom ou não para a saúde, esse tipo de comida por exemplo: a comida da escola ou essa outra, salgadinho. Tem diferença nisso? Uma é melhor que a outra?
Sim. A da escola é mais saudável.

Mas só que às vezes não é mais gostosa, é isso?
É.

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 22-08-2017: Especial Superpauta Criancas. Serie de entrevistas com criancas. Retrato da garota Rahianny Rodrigues Alves da Silva, 10 anos. Aluna do 4o ano do colegio Estadual Dandolo Frediani, na Vila Mascote (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS).
Rahianny Silva é aluna do 4º ano da escola estadual Dandolo Frediani, na Vila Mascote, zona sul de São Paulo

Como é que é isso? Não tem comida que possa ser saudável e gostosa?
Eu como às vezes, mas algumas vezes eu não como porque eu não gosto.

Mas de salgadinho você gosta?
Gosto.

E é bom para a saúde?
Não.

Mas você come mesmo assim?
É. Mas eu não como muito salgadinho, por causa dos meus dentes, o médico proibiu. Aí eu não tô gostando mais de bala, só de chiclete. Mas eu não tô comendo chiclete por causa da cárie no meu dente.

E quando você tá fora da escola? Em casa ou passeando, o que você gosta de comer?
Sorvete. Quando tá calor. Aí quando não tá... eu vou comprar um negócio de sopinha para eu tomar, eu peço para o meu pai porque eu adoro o negócio de sopa quando tá nesse frio. Hoje eu também vou comer em casa, sopa.

Você sabe o que é obesidade infantil?
Mais ou menos. É quando uma pessoa sai do peso mini... acho que é mínimo ou máximo.

E por que a pessoa sai do peso?
Porque come muito doce, come muito salgadinho, come muito açúcar.

Você conhece crianças que têm esse problema?
Meu primo. Mas ele já tá melhor, porque antes ele saiu do peso, ele gostava muito de doce, doce, doce, e comia todos os dias, minha tia dava doce pra ele, com açúcar, todos os dias quase, bolo, bolo, bolo, aí teve um dia que ela foi levar [ao médico] e eles disseram que ele estava acima do peso.

E ele estava gordo?
Tava. Tava muito gordo.

E o que aconteceu?
Falaram que ele tem que fazer um regime, pra parar de comer doce minha tia foi fazendo regime para ele e comidas coisas básicas, nada muito doce e agora ele tá bem, de saúde.

Você sabe o que é colesterol?
Quando a pessoa come sal?

O colesterol não tem a ver com o sal, tem mais a ver com outras coisas, gordura, fritura...
Muita gordura, muita fritura e também muita massa.

E diabetes? Já ouviu falar?
É Açúcar? Também?

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Sao Paulo, SP, BRASIL, 22-08-2017: Especial Superpauta Criancas. Serie de entrevistas com criancas. Pinturas na arquibancada da quadra de esportes feita pelos alunos do colegio Estadual Dandolo Frediani( na Vila Mascote ) onde estudam as alunas Alejandra Carolyna Almendras, 9, e Rahianny Rodrigues A dos Santos, 10 (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS).
Pinturas na arquibancada da quadra de esportes feita pelos alunos da escola Dandolo Frediani, onde Rahianny estuda

Diabetes tem a ver com o açúcar, é quando tem muito açúcar no nosso sangue, aí você pode ter essa doença que chama diabetes. Que tipo de alimento pode aumentar os níveis de colesterol, diabetes e causar essas doenças?
Ó, diabetes... muito açúcar, muito doce também e também comer muito.

E que tipo de alimentação é boa para saúde e ajuda a evitar essas doenças?
Verdura, frutas... vegetais...

Essas comidas saudáveis são gostosas?
Sim. Olha, eu gosto de beterraba e de abobrinha. Chuchu eu não gosto, e maionese também não gosto.

E de fruta, você gosta?
Gosto. Manga é minha fruta favorita.

Você já precisou ir em um hospital ou em um posto de saúde?
Já.

Por que? Quando?
Eu tenho mesmo que falar?

Não, se você não quiser, não.
Então não.

Então vou perguntar somente se você foi bem atendida...
Sim, fui.

Você sabe se era um hospital público ou particular?
Público.

Você sabe a diferença entre o hospital público e o particular?
Porque público... as pessoas também jogam coisas no chão, não tem limpeza e tem muitas coisas quebradas também. E o hospital particular já é mais limpo, tem médicos bons. Mas eu não sei de hospital particular, nunca ouvi falar, mas eu acho que é assim.

O pessoal da sua família, seja da sua casa ou parentes, já faz algum tratamento médico ou já precisou ir em algum hospital ou posto de saúde?
Eu.

Além de você...
Minha vó, minha mãe, minha outra vó...

E você sabe como foi a experiência deles no hospital, se eles foram bem atendidos? Se eles têm queixas a fazer?
Não. Não sei.

Você sabe qual o principal problema nessa área de hospitais, qual o principal problema que a população tem em hospitais? Se é para conseguir marcar consulta, se para conseguir fazer um exame, se é para conseguir uma internação, se é porque tem muita fila...
Eu acho que é porque os hospitais estão lotados, e também não tem muitos médicos para atender as pessoas e também tão lotadas as internações, uma fila para operar. Igual eu. Eu operei e demorei muito, muito para operar minha hérnia, que eu tinha.

E por causa disso você ficou sentindo dor?
Senti sim, mas agora eu tô bem, já operei.

Você sabe o que é um plano de saúde?
Plano? Não.

Você acha que o atendimento médico à população, deve ser um dever do Estado, dos governantes? Ou você acha que a população tem que pagar pra ter esse serviço?
Acho que a população não deve pagar e deve ser público ainda os hospitais... continuar público porque não são todas as pessoas que têm condições para pagar.

Você sabe quem é o presidente do Brasil?
Do Brasil? Não.

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 22-08-2017: Especial Superpauta Criancas. Serie de entrevistas com criancas. Porta da Sala de aula do 4o ano do colegio Estadual Dandolo Frediani( na Vila Mascote ) onde estudam as alunas Alejandra Carolyna Almendras, 9, e Rahianny Rodrigues A dos Santos, 10 (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS).
Porta da sala de aula do 4º ano do escola estadual Dandolo Frediani. Rahianny estuda diariamente aqui

E o governador de São Paulo?
É João Doria?

Quase. O João Doria é o prefeito.
Não. Não sei.

Você acha que os políticos, seja o presidente do Brasil, que é o Temer agora, seja o governador de São Paulo, que é o Geraldo Alckmin, seja o prefeito como você falou, que é o Doria, os governantes de maneira geral, cuidam bem da questão da saúde pública, dos hospitais?
Não.

Por quê?
Porque igual eu falei, tá faltando muita coisa, nos hospitais tá faltando médicos, não tem nem atendimento, estão vazios, tem muita coisa quebrada.

Tá bom. Eu queria só mudar um pouco de assunto. Você sabe o que é notícia?
Mais ou menos.

Qual é sua ideia? O que você acha que é uma notícia?
Uma notícia, um acidente... que o Temer fez um monte de coisas erradas, teve alguém se jogou do viaduto... enfim.

E você acompanha as notícias, as coisa que estão acontecendo em São Paulo, no Brasil, no mundo?
Mais ou menos. Igual eu vi na internet que um homem espancou uma menina e ele quebrou o nariz dela.

Quando você vê notícia, você vê onde?
Às vezes na internet, na televisão ou no jornal, igual ontem. Ontem eu fiquei lendo o jornal, que eu vi um monte de coisas sobre futebol, acidente.

No jornal?
É. Igual depois das Olimpíada [do Rio], tem muitas [estruturas] vazias, não tem limpeza... eu vi na televisão que, sabe aonde que a Rafaela que ela era judoca? Lembra?

A Rafaela Silva, né?
É. Eu vi na televisão que, onde que ela fez, tá tudo vazio, sujo, tá tudo fechado. Todo os negócios da Olimpíada, Bolt. Tá tudo fechado quase.

E quando você vê as notícias, o que te interessa? Que tipo de notícia você gosta de ver?
Hospital.

E como é que você acha que aparece no noticiário, na TV, no jornal, na internet, como é que você acha que aparecem as notícias sobre hospital?
Rápido, muito rápido, depressa.

Você acha que deveria aparecer mais?
É Também acho que deveria aparecer um pouco mais sobre as pessoas aqui, principalmente os hospitais e também tinha que mudar isso de tinha que ter médicos e consertar as máquinas que estão quebradas.

E você vê as crianças aparecendo na imprensa? Criança dando opinião, falando na imprensa?
Mais ou menos. Não. Acho que não.

Você acha que os adultos ouvem as crianças, levam as crianças a sério?
Mais ou menos.

Você acha que deveriam ouvir mais as crianças, levar mais as crianças a sério?
Sim.

Por quê?
Porque tem muita mãe que tá matando seus filhos, não escuta os seus filhos, não acreditam em seus filhos. E também tem muita mãe que bate e espanca seus filhos.

Por que você acha que os adultos às vezes não acreditam nas crianças?
Porque teve um dia que eu assisti na televisão que o menino falou: "mãe, me ajuda, a nossa irmã desmaiou". Aí ela falou assim: "para de mentir, para de mentir e me deixa em paz". Aí quando foi ver a filha dela morreu!

E porque você acha que os adultos não acreditam nas crianças?
Porque eles, eu acho que... deixa eu ver... Eles têm muito, muito, muito que acreditar nas crianças, muito mesmo, porque às vezes não é tudo mentira que as crianças inventam.

O que você quer ser quando crescer?
Eu quero ser modelo. E trabalhar no hospital.

Trabalhar no hospital com quê?
Médica.

Modelo e médica?
É.

E quando não tá aqui na escola, o que você gosta de fazer? Quando tá em casa ou passeio que você gosta de fazer quando tá fora da escola?
Passear ou ir com minha cachorra ou ficar lendo jornal um pouco com o meu pai.

Seu pai lê jornal?
Às vezes.

Que jornal?
Que tipo de jornal? Da igreja.

De qual igreja?
Universal.

E aí você lê também?
Leio. Às vezes também eu leio uns jornais de futebol, de revista de modelo.

Você falou que os hospitais públicos estão mais sujos e que os privados estão mais limpos e arrumados, por que você acha que acontece isso?
Se eu fosse o prefeito, todos seriam "igualmentes", os dois têm os mesmos direitos de ser.