Política

'Os políticos não estão muito ligando pra gente', diz Viviane, 10 anos

FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO

Viviane carrega consigo um sonho de três gerações de sua família. A avó, ela conta, queria ser cantora, mas não conseguiu. O mesmo com a mãe. "Eu não sei o que acontece, porque fica passando o sonho de uma para outra."

Aos 10 anos, Viviane vai acalentando o desejo. Almeja ser cantora sertaneja, "que nem o Luan Santana", um dos seus ídolos. Estudante do quarto ano da escola municipal José Kauffmann, no City Jaraguá, zona norte de São Paulo, ela mora numa casa no mesmo bairro com a mãe, balconista de um supermercado, e o padrasto, cozinheiro de um restaurante chinês.

O foco da entrevista foram política, crise econômica, desemprego e as reformas trabalhista e da Previdência. São temas que ela não sabe definir ou não domina, mas sobre os quais tem ideias e opiniões claras. Embora não tenha parentes próximos desempregados, percebe o tamanho do problema e considera que patrões demitem funcionários para terem mais lucro.

Queixa-se das mudanças no programa Leve Leite, da Prefeitura de São Paulo, que na gestão João Doria (PSDB) restringiu a distribuição do produto nas escolas municipais. Mistura política local com nacional, ao observar que no tempo de Lula e Dilma havia leite pra todas as crianças.

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 23-08-2017: Especial Superpauta Criancas. Serie de entrevistas com criancas. Garota Viviane dos Santos, 10 anos, aluna do 4o ano, mostra telefone que usa como brinquedo da sala da brinquedoteca do colegio Municipal Prof Jose kauffmann, no bairro City Jaragua (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS).
Viviane estuda na escola municipal José Kauffmann, no City Jaraguá, zona norte de São Paulo

Viviane dos Santos já faz economia pessoal. Não recebe mesada regular, mas junta, numa caixinha e num cofrinho, os trocados que parentes lhe dão. Pensa em, com o dinheiro, comprar um celular.

Quando se fala de desemprego, crise econômica, recessão, o que você pensa?
Eu penso que tem muita gente desempregada, gente que tá louca procurando um trabalho, porque tem dívida, essas coisas, eu acho muito triste. Principalmente os casos que aparecem na TV, o cara matando a mulher, e também essa coisa de dívida, de corrupção. Eu fico muito triste porque no ano passado era muito melhor, porque o mundo ele andava para frente e não para trás, e agora o Michel Temer, eu não gosto dele, porque ele tá fazendo muita coisa... ele tá roubando a gente, e o Lula não, o Lula dava leite, dava um monte de coisa.

Como é essa história do leite?
Ah, foi que tiraram o leite da gente do nada [ela se refere à alteração feita pela festão do prefeito João Doria no programa Leve Leite, diminuindo o volume de leite para as escolas municipais]. E tipo a gente gosta muito de tomar leite, café com leite no café da manhã, às vezes um leite quente no frio, quando vai fazer um lanchinho, às vezes antes de dormir, o bebê também. A gente que é grande assim, a gente ganha leite, mas quem tem uma irmãzinha bebê, também a irmãzinha ganha leite.

Tirou o leite como, Viviane?
Eles tiraram, assim, agora só até cinco, seis anos que tem leite. Depois não tem mais.

Por que você acha que o Brasil está em crise?
Em crise porque eles estão roubando, e aí povo fica em crise porque, tipo, o mercado, ele precisa muito daquele dinheiro, só que os políticos roubam, e aí a pessoa fica tentando juntar dinheiro pra comprar e aí eles acabam, o chefe mesmo acaba tirando algumas pessoas do trabalho para ver se consegue juntar dinheiro, e aí vai piorando o Brasil ainda mais.

Você recebe mesada?
Mesada? Tem o Bolsa Família que a minha mãe tem. E tem também o meu pai [cabeleireiro], que ele dá pensão para mim.

Você recebe diretamente algum dinheiro que fica na tua mão, que você tem controlar e decidir como usar?
O meu tio, de vez em quando, ele dá. Mas não é assim direto, mas ele dá às vezes.

Como funciona quando você quer comprar alguma coisa para você?
Bom, se eu quero comprar alguma coisa, eu não fico assim falando: "Mãe, compra agora! Compra agora!". Eu junto o meu dinheiro, depois eu junto as moedas, troco com o meu tio. E aí depois eu vejo se dá para comprar o que eu quero, principalmente eu quero comprar um celular e aí eu tô juntando dinheiro. Minha mãe me dá umas moedas.

E você junta aonde esse dinheiro?
Eu junto no meu...eu tenho uma caixinha de dinheiro e um cofrinho da Minie.

E você sabe quanto já tem guardado lá?
Oh, não... de papel eu acho que uns R$ 50 e pouco, R$ 60, mas de moeda eu ainda não sei. Eu não abri ainda.

Você não gasta, não tem vontade de gastar com bala, com chocolate, com
Se eu for gastar eu gasto, mas depois eu tenho que repor aquilo que eu tirei.

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 23-08-2017: Especial Superpauta Criancas. Serie de entrevistas com criancas. Retrato da garota Viviane dos Santos, 10 anos. Aluna do 4o ano no colegio Municipal Prof Jose kauffmann, no bairro City Jaragua (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS).
Aos 10 anos, Viviane acalenta o sonho de ser cantora sertaneja

Ou seja, você tá fazendo uma poupança né?
Ahã.

Você sabe para que serve um banco?
Sei. Para guardar o dinheiro das pessoas e também quando a pessoa vai receber dinheiro, aí vai retirar no banco. Aí a pessoa recebe dinheiro no banco, vai lá retirar, essas coisas.

E banco pode emprestar dinheiro também?
Pode. Eu acho que pode.

Vale a pena pegar dinheiro emprestado em banco?
Para falar a verdade, eu acho que não vale a pena, porque aí fica devendo.

E dever não é legal por quê?
Porque aquela pessoa cai em dívida, ela pega o dinheiro emprestado no banco e ela fica com mais dívida ainda. E aí ela vai acabar ficando... pode ficar com depressão, pode ficar com essas coisas. Porque pegou muito dinheiro e não tem como pagar.

Com que idade você começou a receber algum dinheiro?
Bom, o Bolsa Família eu não sei, mas desde dos meus seis anos, sete, o meu tio me dava dinheiro, porque quando ele pode, ele dá. E ele dá R$ 2, porque eu peço de R$ 2, porque eu tô tentando juntar de R$ 2. Meu padrinho é com quem eu troco o dinheiro. Aí eles trabalham no mesmo lugar, no restaurante chinês. Aí eu sempre ganho...às vezes eu ganho R$ 10 em nota de R$ 2, às vezes eu ganho R$ 4.

E na tua casa, o principal gasto, qual é? É com o supermercado?
Ah, eu não sei, eu acho que é com o supermercado mesmo, porque são três pessoas e tipo, eu almoço, aí depois eu como um lanche, depois demora um pouco eu janto, depois eu como um lanche de novo e depois eu vou dormir.

E a casa, é de vocês mesmo ou é alugada? Você sabe?
A gente que comprou.

Você falou do Bolsa Família. Quando eu perguntei do dinheiro seu, você considera o Bolsa Família como se fosse um dinheiro seu também? Ahã. Porque é Bolsa Família, que é todo mundo. E com esse dinheiro a gente compra coisa de dentro de casa, coisa para a gente comer, para minha mãe, para o meu padrasto, para todo mundo.

E só pode receber Bolsa Família se você estiver na escola?
Eu acho que é.

Você já ouviu falar na reforma trabalhista?
Não, não ouvi falar. É que eu não assisto muito jornal. Quem assiste mais é o meu padrasto.

E na reforma da Previdência?
Já, já ouvi.

Você sabe o que é?
Mais ou menos.

O que você acha que é?
Eu acho que é tipo... você reforma alguma coisa de lá de dentro, mas não reformando muita coisa, reformando um pouquinho. Reforma, coisa assim que político faz, tipo, tinha alguém pichando o muro, aí reforma, reforma um pouquinho de cada coisa.

Ultimamente teve alguma greve aqui na tua escola?
Teve, um dia teve bastante greve aqui na escola.

E os professores quando fazem greve, eles fazem por quê?
Ah, a maioria eu acho que é porque ganha pouco salário, ou senão tá faltando coisa na escola, principalmente material. A minha tesoura já quebrou e tem muita coisa no material que, tipo, quebra na hora. A minha prima, a Naiara, ela ganhou um material e a borracha é bem fininha, se fizer assim já quebra.Tem muita gente que perde lápis e a gente empresta, mas não dá. E também eles ficam fazendo essas greves para ver se melhora assim o Brasil, a escola, o salário da gente, desses professores.

Por que você acha que tem gente que é rica e tem gente que é pobre?
Porque a maioria dos ricos começou sendo pobre e tipo, foi ficando famoso, tem um sonho. Aí vai crescendo... se a pessoa sonhar, vai ir longe mesmo e pode acabar conquistando. Tipo eu, eu tenho um sonho, só que até hoje eu não conquistei.

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 23-08-2017: Especial Superpauta Criancas. Serie de entrevistas com criancas. Sala de aula do 4o ano do colegio Municipal Prof Jose kauffmann(no bairro City Jaragua) onde estuda a aluna Viviane dos Santos, 10 anos (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS).
Sala de aula da escola municipal José Kauffmann, na zona norte, onde Viviane estuda

Qual é o teu sonho?
Ser cantora.

E cantar que tipo de música?
Sertanejo, que nem o Luan Santana.

E que cantores e cantoras você gosta de cantar?
Eu gosto de cantar mais as músicas do Luan Santana, eu gosto muito dele. Minha mãe cantava a música dele quando eu tava na barriga, então, eu gosto dele desde pequenininha.

Quer cantar uma música que você gosta?
Pode ser [canta "Garotas Não Merecem Chorar", de Luan Santana].

Você acha então que para ser rica basta ter um sonho e perseguir o sonho?
Não, tipo a Larissa Manoela, tem um livro dela e eu tô lendo, ela não queria ser famosa, ela não sonhava nada. Ela tava no mercado, convidaram ela e ela foi. Tipo, as coisas não acontecem só quando a gente quer. Quando a gente quer ter um sonho nem sempre se conquista, a minha mãe mesmo, ela tinha um sonho e ela não conquistou e ela passou para mim.

Ah, a tua mãe queria ser cantora
Minha avó queria, passou para a minha mãe e passou para mim.

Sua vó não foi, sua mãe não foi e quem sabe...E todas queriam ser cantoras de sertanejo?
É. Aí eu não sei o que acontece, porque fica passando o sonho de uma para outra.

Você falou que as pessoas ricas em geral antes foram pobres. Você não acha que tem gente que é rica e vai passando de pai para filho a riqueza, e tem gente que acaba não tendo que trabalhar e perseguir nada para ser rico?
Também tem muita gente também que é assim. Mas os pais das crianças que são ricas batalharam para estar naquele lugar. E eles também... batalharam tanto que conseguiram aquilo, então eles pegaram e estão passando para os filhos deles.

E você acha que basta trabalho e sorte para ficar rico?
A pessoa também tem que se dedicar bastante para aquele sonho, porque se a pessoa só sonhar e ficar parada no canto? Eu não tô parada, eu tô estudando, eu tô estudando aula de violão, depois vou estudar de canto.

E você acha que tem gente que pode ficar rica sem ter que trabalhar muito, ganhando dinheiro de formas não honestas?
Tem sim, porque tem muita gente que tá desesperado e aí eles acham que a única opção é ficar rico e aí ficam pegando dinheiro sujo, fazendo coisas que não devem. Ou mais para poder ficar no sucesso porque tem muita gente que pega e vai atrás do sonho, mas também bastante gente que pega e faz as coisas que não deve fazer para chegar no sonho. Tem muita que até é capaz de dar a própria vida para fazer aquele sonho se realizar.

Você estava falando de política. Você acha que tem relação entre política e economia?
Não. Mas os políticos não estão muito ligando para a gente, eles estão mais ligando para eles serem os ricos. E também estão roubando muito da gente, eles estão pegando do dinheiro que muita gente precisa para ficar com eles. A economia não é para gente, se eles fazem economia, é para eles. Para eles gastarem, para eles se divertirem, mas para a gente não. Eles estão pegando e roubando o que é nosso. Roubaram o nosso leite. Roubaram...eu tô querendo dizer que tiraram da gente e pegaram para eles porque eles aumentaram o preço de muitas coisas e também tem muito mais político mal do que bom. Quando eu crescer eu não sei se eu vou votar, porque a gente vota em um, mas ele mente do mesmo jeito e não dá certo. E aí é melhor não votar, eu acho.

Se você pudesse votar hoje, você votaria em quem?
Se eu pudesse votar, eu acho que na Dilma, mas ela saiu, na Dilma e no Lula.

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 23-08-2017: Especial Superpauta Criancas. Serie de entrevistas com criancas. Sala de aula do 4o ano do colegio Municipal Prof Jose kauffmann(no bairro City Jaragua) onde estuda a aluna Viviane dos Santos, 10 anos (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS).
Detalhe de sala de aula da escola municipal José Kauffmann, na zona norte, onde Viviane estuda

Você sabe quem é o presidente do Brasil?
Ai, eu esqueci o nome dele. Eu não lembro.

Acho que você falou ainda há pouco...
Eu falei Michel Temer. É o Michel Temer? Ah, é.

Você acha que o Brasil hoje é diferente do que era nos últimos anos, nos últimos cinco anos?
Sim. Acho que tá porque antes... Ano passado estava bom por causa da Dilma e do Lula, eles estavam melhorando o Brasil, mesmo que eles tenham roubado, o Brasil ia pra frente e não pra trás e antes também tava ruim. E quando ficou a Dilma e o Lula ficou bom e agora piorou. Ficou pior do que era nos anos passados.

Você diz "que mesmo eles tendo roubado, pelo menos o Brasil avançou", você acha que eles roubaram?
Não, não acho. Eu gostei muito deles, principalmente da Dilma e do Lula. Eu gostei muito deles porque o Brasil sempre ia para frente, não andava nem um passinho para trás.

E por que você falou "mesmo que eles tenham roubado"?
Porque eu não desconfio deles, eu não tô falando que eles roubaram, mas tem muita gente que fica falando que eles roubaram, mas e daí? Eles botaram o Brasil para frente. Eu não tenho certeza mas eu acredito que eles não tenham roubado.

O que você gosta de fazer fora das aulas, quando não está na escola?
De ler os livros que eu leio, da Larissa Manoela. E também de desenhar e de às vezes fazer música, quando vem na minha cabeça, eu faço. Igual a minha mãe, a minha mãe também faz música.

Ah, você faz música tua mesmo?
Só que assim, não rima muito mas depois eu vou aprendendo mais

E que passeio você gosta de fazer?
Eu gosto de fazer passeio para museu, para conhecer as coisas, pra também, para muitos lugares assim, tipo a gente foi no Museu do Futebol e eu gostei muito porque tinha muita coisa legal. Inclusive eu comprei uma canequinha do São Paulo original para o meu padrasto. Foi uns R$ 20. Acho que eu gastei meu dinheiro inteirinho naquilo, porque não tinha nada para comprar aí eu falei: "Eu vou comprar isso aqui mesmo para o meu padrasto porque ele é legal". Foi bem legal lá no Museu do Futebol, eu amei lá, as experiências, cheio de arquibancadas, as bolas de antigamente, como eram. Muito legal.