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'Quando tiver uma notícia boa, vocês me avisam', diz Marina, de 9 anos

FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO

Marina chegou para a entrevista com um recado da mãe. "Ela me falou: 'Ele pode perguntar qualquer coisa, pode até perguntar de coisa que você não sabe, mas você vai ter que prometer pra mim que você não vai falar de política, porque ele pode votar nesse presidente, mas você vota naquele'."

Política era justamente o tema programado para a entrevista com Marina, 9 anos completados em agosto. O que poderia ter sido um pequeno fracasso jornalístico foi evitado, em grande parte, graças à entrevistada, que discorreu com desenvoltura sobre temas tão diversos quanto jornalismo, guerra na Síria e tererê –o enfeite de cabelo.

Marina Bobadilha Maciel de Oliveira estuda no terceiro ano de uma unidade do colégio Jardim São Paulo localizada num vasto terreno arborizado que lembra uma chácara, no Barro Branco, bairro da zona norte de São Paulo aos pés da serra da Cantareira.

Mora com a mãe (tradutora), o pai (jornalista) o irmão de 12 anos e duas gatas (Marie e Brigite) no município vizinho de Mairiporã, numa casa também cercada pela natureza onde "às vezes aparece macaco e já apareceu até quati". "Gosto do verde", ela diz.

Agora você estava tendo aula do quê?
Eu tava tendo aula de inglês.

Você já aprendeu alguma coisa de inglês?
Eu tô mais ou menos assim, mas a minha mãe é tradutora de inglês.

Isso acaba ajudando você...
É, né. Eu sei falar espanhol.

Espanhol? O que você fala em espanhol?
Ah, sei lá. É que essas férias eu fui pra um hotel e eu conheci uma menina argentina, e daí eu queria conversar com ela porque a gente ficou amigas, daí fiquei treinando espanhol e hoje eu converso com ela pelo celular da minha mãe.

O que você mais gosta de estudar aqui na escola?
Eu gosto de ciências, eu gosto de artes bastante. Não é exatamente matéria, mas eu gosto de educação física, música, essas são as que eu mais gosto.

E o que você gosta de fazer quando não está na escola?
Quando eu não estou na escola eu brinco, eu saio.

De que brincadeira você gosta, que passeio você gosta de fazer?
Gosto de ir pro cinema, às vezes eu gosto de ir pro shopping. Quando a gente chega no shopping, daí a gente pode ir pra onde quiser e a gente vai pensando: "E se a gente comprasse uma roupa? E se a gente fosse no cinema?". Um dia a gente ia passear no shopping, daí no restaurante tinha uma TV que passou um trailer de um filme, daí eu e o meu irmão, que é o Artur, a gente falou: "E se a gente assistisse esse filme?" Daí assim foi embolando.

Sem muito planejamento...
Aham... Acho que o passeio que eu mais gosto de fazer é ir pra casa dos meus amigos.

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 16-08-2017: Especial Superpauta Criancas. Serie de entrevistas com criancas. Retrato da aluna do 3o ano, Marina Bobadilha Maciel de Olliveira, 8 anos. Ela estuda no Colegio Jardim Sao Paulo, na Cantareira (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS).
A aluna do 3º ano Marina Bobadilha Maciel de Oliveira, de 9 anos

E lá você brinca do quê?
Eu tenho minha melhor amiga, a Taís, e quando eu vou pra casa dela sempre levo patins, porque a gente adora andar de patins. Ela mora aqui em frente [ao colégio].

E você gosta de livro, gosta de game?
Acho que eu gosto de ler, mas eu gosto bastante de desenhar, mas videogame às vezes eu jogo com meu irmão algumas coisas, mas normalmente eu não sou das melhores em videogame não.

Pra você, o que é uma notícia?
É uma coisa que acontece, que pode ser boa ou pode ser ruim, mas as pessoas precisam saber e elas informam isso através dos jornalistas e isso é uma notícia.

Me dá um exemplo. O que pode ser uma notícia?
Sei lá... o carro capotou ou... que alguém roubou?

Sim, isso são notícias.
É, só que eu gosto mesmo é de uma notícia boa. Às vezes eu tô na cama dos meus pais, às vezes eu durmo lá, mas é bem de vez em quando. Tinha uma vez que eles estavam assistindo notícias daí eu falei: "Eu vou pra sala e volto aqui quando tiver com sono pra dormir; quando tiver notícia boa, vocês me avisam". Eu queria ver se tinha notícia boa e enquanto passava notícia ruim eu ficava lá na sala.

Me dá um exemplo de notícia boa. Qual a notícia que você acha legal de ver?
Não sei... Um novo lugar foi aberto é uma notícia e é boa, porque abre restaurante, abre loja de roupa, de livro, e daí é uma notícia boa.

Dessas coisas que estão passando no Brasil e no mundo como é que você acompanha? Você disse que seus pais assistem notícia na televisão e você fica na cama deles. Onde dá pra acompanhar notícia? Na TV e onde mais?
Às vezes, quando eu acho que eu tô com tédio, que não tem nada pra fazer, eu leio revista e eu fico com a notícia. Quando meu pai vai na banca de jornal, a gente escolhe uma coisinha pra pegar, uma bala, figurinha, um adesivo... eu e meu irmão. E depois, quando a gente cansa, às vezes meu pai deixa a revista lá, quando ele acaba de ler, e eu gosto de ler depois.

Você acha que os adultos ouvem com atenção o que as crianças falam? Você acha que os adultos levam as crianças a sério?
Eu acho que talvez as crianças levem mais os adultos a sério, mas eu acho que tem adulto que escuta e tem adulto que não escuta. Eu não conheço ninguém que não escute, mas eu acho que eu já vi, não que eu conheça, mas eu já vi. Por exemplo, na minha antiga escola eu tinha uma amiga que os pais dela brigavam com ela, parecia que eles não escutavam. Às vezes na rua, a gente vê: "Nossa, ele não escuta o filho, o filho tá tentando explicar." Mas às vezes quando tá brava, eu tento explicar e minha mãe fala "shhh, shhh, o que você fez foi errado", alguma coisa assim. Mas tudo bem.

Você acha que as crianças são ouvidas nos meios de comunicação, televisão, rádio, jornal, internet?
Quando eu era pequena eu ia pra escola e tinha a rádio Bandnews, e daí eu ouvia. Daí minha mãe fez um vídeo e colocou na Bandnews. Então eu acho que tem um papel específico das crianças também no jornalismo, nos canais, porque talvez tenha algumas que levam isso de brincadeira, mas também tem outras que levam a sério.

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 16-08-2017: Especial Superpauta Criancas. Serie de entrevistas com criancas. Retrato da aluna do 3o ano, Marina Bobadilha Maciel de Olliveira, 8 anos. Ela estuda no Colegio Jardim Sao Paulo, na Cantareira (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS).
Marina Bobadilha exibe alguns dos lápis e canetas que leva ao colégio Jardim São Paulo

Qual a principal função de um jornalista?
Informar as pessoas do que está acontecendo no mundo, que talvez, se os jornalistas não existissem, muita coisa podia estar acontecendo que seria muito melhor não acontecer. Por exemplo, vamos supor que tem um ladrão ali, os jornalistas informam que esse ladrão tá naquele bairro. Se eles não informassem que ele tá naquele bairro, as pessoas que moram naquele bairro iam ficar lá nas casas e o ladrão podia entrar nas casas, e como eles informam, não tem problema, eles já ficam atentos.

Uma das funções do jornalista é perguntar. E os jornalistas ficam perguntando e a partir das respostas eles conseguem descobrir o que as pessoas pensam e o que está acontecendo. Você acha que o jornalista consegue pegar tudo?
Não vai captar exatamente porque tipo... Finge que tem um ladrão na minha rua, finge. Daí eu fico desesperada e aviso o jornalista. Os jornalistas não sabiam. Daí eu fico desesperada porque tem um ladrão na minha rua, mas os jornalistas nunca terão a mesma expressão porque eles pensam "é a pessoa, não sou eu". Então o que a pessoa pensa nunca vai ser a mesma coisa que você pensa.

Pode explicar melhor isso?
Tem um ladrão na minha rua, claro que não, mas eu estou supondo, então eu tô muito preocupada com esse ladrão e eu vou avisar o jornalista –tô supondo, tá? Então eu falo para aquele jornalista. Eu tô preocupada, mas o jornalista não está, talvez ele esteja até feliz por causa de uma notícia nova, ou talvez ele até esteja preocupado, mas não a mesma preocupação e tal...

Então ele não vai conseguir expressar o sentimento de quem ele entrevistou?
Isso.

Quais são as notícias que afetam o Brasil que você tem visto? Você falou de caso de roubo, de ladrão. Ultimamente que coisas afetam o Brasil e o mundo que te chamam a atenção?
No mundo? Eu acho que não deveria ter guerra. Tem a guerra da Síria. No Brasil tem violência e não deveria ter violência. Não só no Brasil como no mundo inteiro.

E por que você acha que tem violência?
Por exemplo a guerra da Síria, por que ela começou? Porque... a minha mãe teve uma explicação de algumas guerras que acontecem assim: primeiro elas começam com palavras. Por exemplo, a guerra da Síria é dentro da Síria, cidade contra cidade, não é Síria versus Japão, Síria versus Brasil, Síria versus Argentina, não. É Síria versus Síria. Então começou com tipo: essa cidade nunca vai chegar aos meus pés. Como assim? Daí começa com aquilo de violência, de se eu chegar naquele homem rapidinho, não vai dar pra perceber, mas se perceber vai começar. Começa com uma pequena e vai se formando e aí um daquela cidade vai chamando os guerreiros e quando outra cidade vê tanque, vê que foi baleado, vai começando a guerra... E de repente a Síria está despedaçando.

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 16-08-2017: Especial Superpauta Criancas. Serie de entrevistas com criancas. Retrato da aluna do 3o ano, Marina Bobadilha Maciel de Olliveira, 8 anos. Ela estuda no Colegio Jardim Sao Paulo, na Cantareira (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS).
Gato de papel feito por alunos da turma em que Marina Bobadilha estuda

O que você acha que causa a violência aqui no Brasil?
Opinião. Se eu gosto de uma coisa e você gosta de outra coisa vamos supor que essa coisa é uma coisa que pode mudar o mundo, então vamos supor.... Eu falo que gosto daquilo, você fala que gosta disso, você diz "como você pode gostar daquilo?" "Como você pode gostar disso?" Daí começa. "Eu voto no melhor"; não, "eu voto no melhor". Daí começa criar uma coisa, e também tem gente que é bêbado e já começa com a violência, e com a pequena violência que gera a grande violência.

E essa outra violência da criminalidade, roubo e tal. O que você acha que causa essa violência? Crimes, assaltos, roubos...
Não tenho ideia. Eu não sei porque as pessoas fazem isso. Porque o mundo não é nenhum tipo de brinquedo.

Eu ia te fazer umas perguntas de política, mas você me falou uma coisa antes de começar aqui. Você pode repetir?
Quando a minha mãe recebeu a ligação [da escola] de que você tava pedindo autorização pra fazer a entrevista, ela me falou: "Só me promete uma coisa; ele pode perguntar qualquer coisa, pode até perguntar de coisa que você não sabe, mas você vai ter que prometer pra mim que você não vai falar de política, porque ele pode votar nesse presidente, mas você vota naquele". Principalmente agora que está uma coooisa... Isso de presidente tá muito chato.

Gostei desse teu enfeite no cabelo. Como chama?
Tererê. Tererê é uma trança e você não precisa de três partes de cabelo daí você vai enrolando? Tererê eu não sei exatamente como faz, porque a moça do hotel sabia fazer. Eu acho que você pega duas partes de cabelo e a outra parte é uma fita. Você enrola, enrola até fazer uma trancinha, depois deixa essa parte aqui, mas é bem maior, fica tipo até aqui. Você coloca as miçangas, daí depois você corta o excesso. Eu fiz lá em Porto de Galinhas.

Em Porto de Galinhas?
Foi lá que eu conheci aquela menina argentina que eu falei.

Quanto tempo dura esse tererê?
Você pode tirar ele quando quiser, mas pro cabelo não ficar duro, até fedido pode ficar, descabelado se você não tirar muito bem, e depois vai doer pra pentear... É bom ficar com ele por um mês, mas eu vou tirar ele... Lembra que domingo que vem é meu aniversário? No meu aniversário eu vou tirar ele e talvez, se der, eu vou enrolar meu cabelo e eu não sei se eu corto. Minha mãe falou "nossa, se desse...". É que eu tenho uma amiga, que é a Mariana, que no aniversário dela ela enrolou daí minha mãe falou: "Nossa você podia enrolar, será que dá?".