Economia

'Uma pessoa com mais de 60 anos não aguenta uma sala cheia de criança', diz Isabela, 9

FABIO VICTOR
EMILIANO GOYENECHE
DE SÃO PAULO

Na escola pública onde estuda Isabela, os professores fizeram greve por uns poucos dias contra as reformas propostas pelo governo Michel Temer. É a municipal Presidente Nilo Peçanha, na Vila Arcádia, zona norte de São Paulo.

A aluna do 3º ano do ensino fundamental apoiou a causa, e explica por que com um argumento prático: "Uma pessoa de mais de 60 anos trabalhando não conseguiria aguentar uma sala cheia de criança, com 31 alunos, que é o caso da minha sala".

Isabela Freires Andreoli Gilioli tem 9 anos e é extremamente articulada. Vive com suas duas mães, uma analista de mídias sociais, a outra funcionária de um hospital, na Vila Santa Delfina, zona norte. O pai, separado de uma das mães, é dono de um buffet.

A entrevista tratou de velhice e de reforma da Previdência. Isabela contou o que aprende com os idosos e o que, como criança, pode ensinar para eles.

Com quem você mora?
Eu moro com a minha mãe e com a minha outra mãe. Eu tenho duas.

E você tem pai também?
Tenho.

Seu pai é separado da tua mãe?
Sim.

E o que é que fazem as tuas mães e o teu pai? Com que eles trabalham?
Meu pai trabalha num buffet. A minha mãe trabalha com computador, mas ela não mexe, ela só trabalha no Facebook, em vendas. E a minha outra mãe trabalha no hospital.

E você tem irmãos?
Eu tenho por parte do meu pai. Eu tenho uma. Só que a minha mãe, que eu considero ela como mãe, tem mais uma filha que eu considero ela como irmã.

Então juntando você tem dois irmãos que moram em outras casas?
Sim.

Você tem avô e avó?
Sim. Tenho bisa também.

Qual é a idade das suas mães e do seu pai?
Uma tem acho que 36, a outra tem 29 e meu pai tem 31.

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 24-08-2017: Especial Superpauta Criancas. Serie de entrevistas com criancas. Garota Isabela Freires Andreoli Gilioli, 9 anos, mostra tabuleiro onde joga damas na escola. Ela cursa o 3o ano da escola Municip Nilo Pecanha (na Freguesia do O) (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS).
Isabela Freires Andreoli Gilioli, 9 anos, mostra tabuleiro de damas que ela leva na escola

E seus avós e sua bisa?
Minha vó deve ter uns 55, meu vô eu não sei.

Qual é a idade da bisa, você sabe?
Não.

Tem uma ideia mais ou menos?
É...80 para baixo.

E seus avós trabalham com quê?
A minha vó trabalha em escola, ela fica tipo cuidando das crianças. E o meu avô... o meu pai é o dono do buffet e o meu vô trabalha para o meu pai.

Você falou da idade do seu pai e das suas mães. Você acha que eles são velhos?
Não.

Você acha que eles são jovens?
É. Sim.

E teus avós e tua bisa?
A minha bisa já é uma senhora de idade. A minha vó também.

Para você, o que é uma pessoa velha?
Eu acho que todos podem ter a idade que for, eles são as mesmas pessoas. Uma senhora de idade, ela só tem mais idade do que a gente. Porque a minha tia já tem bastante idade, só que ela limpa casa, ela costura, ela faz muita coisa sozinha.

Você considera que uma pessoa é velha, no sentido de idosa, a partir de que idade?
Sessenta.

E o que você considera uma pessoa jovem?
A mesma coisa, só que ela consegue fazer mais coisas do que uma senhora de idade.

Você prefere conviver com pessoas mais velhas ou com pessoas mais jovens?
Ah...Depende. Eu gosto mais de velhas.

Por quê?
Ah... porque tem mais histórias, você consegue brincar mais.

Fala um pouco de como é tua relação com teus avós e com tua bisa.
A minha bisa eu não vou sempre na casa dela, mas quando eu vou eu gosto de jogar cartas, pingo, com ela.

Como que é pingo?
Você tem que ter alguma... A gente normalmente joga com feijão, mas de verdade joga com dinheiro e aí você tem as cartas. Aí, por exemplo, eu comecei com um sete. Eu tenho que jogar esse sete. Aí vai fazendo até chegar no rei.

E que mais? Fala um pouco mais da relação com tua bisa e teus avós.
Eu gosto muito de ajudar minha bisa a fazer as coisas dela na casa dela. Ela tem um cachorrinho muito fofo. A minha vó... A gente brinca, faz bastante coisa, a gente monta carrinho... A gente faz bastante coisa sim. Meu avô também, mas é um pouco menos. O meu vô a gente brinca bastante na piscina. Ele tem uma piscina na casa dele. Então eu gosto de ajudar ele a arrumar a piscina, limpar a piscina... E o meu outro vô eu brinco bastante de dama com ele.

Você aprende muito com as pessoas mais idosas?
Sim.

O que você aprende?
Ah... Histórias do passado, como era... Porque eu gosto muito da matéria história. Então para ouvir as histórias antigas é muito bom. Eu gosto.

E você acha que as crianças têm também o que ensinar aos mais velhos?
Sim.

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 24-08-2017: Especial Superpauta Criancas. Serie de entrevistas com criancas. Mural feito por alunos da turma do 3o ano da escola Nilo Pecanha (na Freguesia do O)na classe onde estudam as alunas Beatriz Santana Nunes e Isabela Gilioli (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS).
Mural feito por alunos do 3º ano da escola municipal Nilo Peçanha, onde estuda Isabela

O quê?
Depende. Porque antes a escola era mais rígida. Então tem sim algumas coisas

Que coisas você acha que seus avós podem aprender com você? O que você ensina para eles?
Ah... O preconceito, o machismo, essas coisas.

Você fala sobre isso como eles?
Sim, bastante, porque antes era muito ruim o preconceito.

E hoje as escolas já ensinam mais isso?
Sim. Eu mesma tô aprendendo.

Você sabe o que é aposentadoria?
Sim, sim. É quando uma pessoa já está mais idosa, que aí ela não tem mais condições de trabalhar. Aí a prefeitura dá um dinheiro para ela conseguir fazer as coisas dela.

Você acha que uma pessoa deveria se aposentar, parar de trabalhar com quantos anos?
Sessenta, no máximo.

Você acha que mulher e homem deveriam se aposentar com a mesma idade?
Sim, claro.

Você acha que algum dos dois trabalha mais? Quem trabalha mais? Mulher ou homem?
A mulher, claro.

Por quê?
Tem homem, sim, que trabalha em casa, mas normalmente é mais a mulher.

Porque trabalha em casa...
E no trabalho.

E quando a pessoa se aposenta, ela recebe um salário?
Sim. O salário dela é aquilo que ela já trabalhou bastante, que tiraram um pouco quando ela trabalhava.

E você falou da prefeitura. De onde você acha que vem este dinheiro para pagar os aposentados?
Deles né? Da gente que trabalha, minha professora, todos.

Você se imagina aposentada?
Sim. É... Mais ou menos.

Velhinha... fala um pouco de como seria o seu futuro você idosa, aposentada.
Eu gostaria de fazer bastante coisa, porque eu sou bem agitada. Eu não gosto muito de lavar a louça, então eu acho que eu não gostaria de lavar louça. Ah, eu gostaria, se eu tiver netos, de contar as histórias que estão acontecendo agora comigo.

Você já ouviu falar em reforma da Previdência?
Sim. Eles queriam agora deixar... a professora ficou de greve, bastante tempo, porque eles queriam fazer uma reforma que era deixar mais tempo a pessoa sem a aposentadoria.

E aí teve greve aqui na escola contra isso?
Sim, não foram todas as professoras. A minha foi e foram algumas.

E o que você acha dessa reivindicação delas?
Tipo... uma pessoa de mais de 60 anos trabalhando não conseguiria aguentar uma sala cheia de criança, com 31 alunos, que é o caso da minha sala.

Então você acha que a reclamação dos professores ao fazerem greve é justa?
Sim, justa.

Você sabe quem é o presidente do Brasil?
Do Brasil? Presidente não.

E o governador de São Paulo?
João Doria.

Sim, mas o João Dória é o prefeito. O que você acha dele?
Ah... Eu acho que ele só tá fazendo coisas ruins para gente.

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 24-08-2017: Especial Superpauta Criancas. Serie de entrevistas com criancas. Murais no patio da escola Nilo Pecanha (na Freguesia do O) onde estudam as alunas Beatriz Santana Nunes e Isabela Gilioli (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS).
Desenho no pátio da escola municipal Nilo Peçanha, na Freguesia do Ó, zona norte

Por quê?
Ele tirou o nosso leite, a gente não ganha mais leite. A repetição de lanche...

Como é essa da repetição do lanche?
Tipo assim. De manhã que a gente toma o lanche. Normalmente a gente pegava mais. Só que agora é só você pegar o seu copo de leite e um pão. Você não pode repetir mais do que isso.

E antes podia?
Antes podia.

E como é que sabem se você repetiu ou não?
É porque antes ficava numa caixa assim, lá ficavam as coisas e os copos. Agora você tem que pegar lá, é a tia que dá para você.

Então fizeram um controle mais rígido... Se você tivesse idade para votar, votaria em quem?
Eu votaria na Marta, eu não gosto do João Doria.

Você sabe o que é Operação Lava Jato?
Não.

E sabe quem é o Sérgio Moro?
Sei...

Quem é?
O Sérgio Moro? Eu acho que ele é o... como eu falo? O prefeito. O prefeito não, eu não sei se ele é o vice do João Doria.

O que é notícia para você?
Ah, coisas do que eu falei, da prefeitura, tudo o que está acontecendo no nosso mundo, assim né?

E como é que você sabe das notícias, das coisas que estão acontecendo no mundo? Você acompanha as notícias?
Mais ou menos, eu vejo mais na internet, no Facebook, essas coisas.

Você tem acesso, você pode usar Facebook?
Eu não posso, mas sempre estou perguntando para minha mãe, procurando saber, de um jeito, porque ela sempre está vendo, então...

Você acha que as crianças aparecem no noticiário?
Acho que aparecem pouco.

Por que você acha que aparecem pouco?
Porque eu acho que eles não gostam muito de pegar crianças, porque eles acham que não sabem muito, acho que eles preferem mais os adultos, que têm mais o celular, têm mais essas coisas, têm mais a internet.

Mas você acha que, na sociedade de maneira geral, as crianças são ouvidas com atenção, com respeito, pelos adultos?
Não.

Por que você acha que não?
Ah, porque por exemplo, o meu pai, ele gosta muito do João Doria, ele votou nele, tudo o que eu falo, uma coisa de ruim, ele não gosta, assim, fica bravo.

Quando você discorda dele, é isso?
É, quando eu discordo dele.

Mas aí vocês debatem?
Já debati, já, já. Bastante. Ele fica bravo, eu começo a ficar mais brava ainda e a gente começa a discutir.

Mas o debate também é saudável, não?
É, porque todo mundo tem que ouvir a opinião dos outros, não pode julgar aquela pessoa. Ele gosta do João Doria, deixa ele gostando. A gente tem que dar opinião, e o meu pai, como ser humano, tem que respeitar a minha opinião.

E você a dele.
Sim. Não é porque eu sou criança que eu não tenho que respeitar a dele.

De que você mais gosta aqui na sua escola?
Eu gosto muito das brincadeiras, dos meu amigos, da minha professora, das professoras.

E de que assunto, de matéria você gosta mais?
Ó, eu tenho duas. As minhas preferidas são matemática e história.

E do que você não gosta?
Eu não gosto muito de geografia.

Você gosta da sua escola?
Sim, a única coisa que eu não gosto muito é que a minha sala é muito barulhenta.

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, BRASIL, 24-08-2017: Especial Superpauta Criancas. Serie de entrevistas com criancas. Quadra da escola Nilo Pecanha (na Freguesia do O) onde estudam as alunas Beatriz Santana Nunes e Isabela Gilioli (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS).
Isabela tem 9 anos e está no 3º ano; à direita, quadra da sua escola

As pessoas gritam muito, é isso?
É.

Hoje, por exemplo, você estava tendo aula de quê?
Eu estava tendo aula de matemática.

O que é que vocês estão aprendendo?
É que hoje na verdade a minha professora não veio, aí gente estava fazendo contas.

Me fala um pouco de coisas que você tenha aprendido recentemente nesse ano aqui na escola.
Muito sobre os africanos.

O que, por exemplo?
Dos escravizados, como tava sendo.

Como foi a escravidão no Brasil, isso?
Sim.

E o que você quer ser quando crescer?
Eu quero ser atriz.

Por que atriz?
Ah, porque eu gosto de fazer personagens, eu mesma tenho uma peruca, tenho chapéus que eu gosto de pôr.

E que personagem você incorpora quando você usa?
Ah, eu gosto muito de fazer professoras.

Você interpreta professoras?
Sim.

Interpreta para gente, mesmo sem a peruca, interpreta um pouquinho uma professora.
Tá. [mudando a voz] "Agora eu vou dar português para vocês e espero que vocês terminem antes de ir para o almoço."

E tem algum outro personagem?
Eu gosto de fazer adulto também, adolescente.

Faz um adolescente.
"Mãe, hoje eu vou sair, tá? Com os meus amigos". Eles gostam muito de sair, eu já tive três adolescentes na minha casa, acho que final de semana eles saíam muito, muito.

Saem muito, né? Só pensam na rua...
É, e em celular também.

E além de interpretar, quando você está fora das aulas, o que mais você gosta de fazer?
Jogo e brincadeira.