Introdução

Judiciário 'ajuda' facção criminosa ao tratar integrante como bandido comum

Cúpula da facção criminosa PCC Reprodução
Cúpula da facção criminosa PCC, em relatório do Ministério Público de SP

ROGÉRIO PAGNAN
ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO, A CUIABÁ (MT) E A PRESIDENTE PRUDENTE (SP)

Pela primeira vez desde sua criação, em 1993, o PCC tem sido comandado de fora dos muros da prisão. E até de fora do país. Desde de fevereiro, segundo setores de inteligência da Secretaria da Administração Penitenciária, da Polícia Civil e do Ministério Público de São Paulo, a decisão sobre assuntos da facção criminosa saiu temporariamente das mãos de Marcos Camacho, 49, o Marcola, e passou para as de Rogério Jeremias de Simone, 40, o Gegê do Mangue.

Essa transferência, também inédita, ocorreu por dois motivos: as dificuldades de comunicação de Marcola, enviado em dezembro para o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), onde deve ficar por ao menos um ano, e a libertação de Gegê do Mangue, considerado atualmente como o número dois na linha de comando do PCC.

Gegê foi colocado em liberdade pela Justiça, apesar de pedidos contrários feitos pelo governo paulista ao Ministério Público Estadual. Os apelos foram feitos pelo secretário da Administração Penitenciária, Lourival Gomes, ao subprocurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo. "Pelo amor de Deus, Gegê do Mangue não pode sair", disse ele, conforme repetiu a membros do Ministério Público em seminário realizado em março deste ano, incluindo o próprio subprocurador-geral de Justiça.

Para integrantes da Polícia Civil ouvidos pela Folha, o Ministério Público –em especial sua divisão em Presidente Venceslau (a 611 km de São Paulo)– demonstrou pouco esforço para manter Gegê preso, mesmo com a informação de que estava prestes a ser julgado novamente por um duplo homicídio. Neste mês de abril, ele foi condenado a 47 anos por isso, mesmo sem comparecer ao julgamento, mas está foragido.

Essa foi a mais recente das ao menos nove condenações que Gegê do Mangue coleciona desde 1995, quando foi preso pela primeira vez. No seu currículo há condenações por ameaça, tráfico de drogas, formação de quadrilha, porte ilegal de armas e por homicídio (por três vezes).

Antes considerado o número três na hierarquia do PCC, ele estava preso preventivamente por suspeita de ter determinado a morte de outro preso em 2013, que teria uma dívida de R$ 110 mil com a facção criminosa.

"Gostaria de fazer um alerta: presos da P1 Avaré, P2 Venceslau, RDD de Bernardes não podem ganhar nem remissão, quanto mais comutação de pena. Gegê do Mangue teve três comutações de penas concedidas", disse o secretário aos promotores, sobre presídios que concentram presos ligados à facção. "Presos bons, coitados, que não têm dinheiro, sujo ou limpo, não conseguem um dia de comutação. Então, eu creio que o Judiciário e o Ministério Público deveriam colocar um rótulo lá: presos desses locais não merecem benefício."

Procurado, o Ministério Público estadual informou que, "na oportunidade, todos os promotores que cuidam de casos envolvendo o senhor Rogério Jeremias de Simone foram acionados para que averiguassem a possibilidade de pedir a decretação da prisão, o que as condições processuais não permitiam".

Esta não é primeira vez que os apelos do governo paulista são ignorados. Desde a década passada, uma série de presos com ligação com a cúpula do PCC recebem tratamentos da Justiça como se fossem presos comuns, de pouca periculosidade.

Nessa lista estão Fabiano Alves de Sousa, o Paca, e Eduardo Lapa dos Santos, codinome Lapa. O primeiro jamais foi localizado, enquanto o segundo foi detido novamente em 2015 na articulação de atentados contra funcionários de presídios e de resgate de presos.

Ele aproveitou uma liberação para o período de festas de fim de ano em 2009 e desapareceu. Foi detido pela polícia em janeiro de 2010 em Limeira (SP) e colocado novamente atrás das grades. Mesmo não tendo sido um preso exemplar, foi libertado em 2014, após receber benefícios que diminuíram o tempo de sua pena.

Em nota, o Tribunal de Justiça de SP diz que "cabe ao magistrado do processo de execução analisar, segundo os ditames da Lei de Execução Penal, a situação de cada preso, conferindo-lhe os benefícios previstos quando presentes as necessárias condições".

"Não é possível tratar, de forma genérica, casos distintos. Em cada processo são verificados os requisitos específicos do preso, inclusive laudos de avaliação psicológica."

Registre-se que a decisão de um juiz que concede ou nega o benefício ao preso é passível de recurso, inclusive aos tribunais superiores", afirma a nota do tribunal.