Mundo 2016

Análise: não esqueçam os refugiados

Aris Messinis/AFP
Voluntárias caminham em pilha de coletes salva-vidas abandonados por refugiados na ilha grega de Lesbos

[ DIOGO BERCITO ]

Se ainda houver espaço na sua lista de resoluções de Ano-Novo, a comunidade internacional faria bem em incluir entre os principais objetivos continuar a lembrar-se dos refugiados.

Vimos em 2015 como esse tema foi caro à imprensa, aos discursos políticos e aos perfis de Facebook. A fotografia de uma criança morta em uma praia turca -uma imagem cruel, porque se parecia com uma criança apenas adormecida- mobilizou opiniões ao redor do mundo. De repente, a ideia de que refugiados estivessem cruzando o Mediterrâneo para salvar-se pareceu urgente, e pautou a agenda internacional. Por sua liderança nesse sentido, a chanceler alemã Angela Merkel tornou-se o grande personagem do ano (e capa da revista "Time").

Mas às vezes esses são surtos de atenção. Vide o ebola, de quem ninguém mais se lembra, ou mais atrás a fome na Etiópia. Há anos multidões de sírios vinham fugindo da guerra civil no país, massacrados pelo regime ou por organizações terroristas como o Estado Islâmico sem que o mundo se incomodasse muito.

A Europa preocupa-se hoje com aqueles que chegam a suas fronteiras, mas já há 2,2 milhões deles na Turquia e 1 milhão no Líbano, onde a estrutura para recebê-los é bastante mais frágil. Há também sírios que não deixaram o país, mas perderam seus lares e hoje vagam pelo território em busca de um lugar seguro –mas onde vão encontrá-lo, sitiados por todos os lados?

O risco, nesse caso, é que no ano que vem os refugiados já não sejam notícia, já não angariem mais votos, já não sejam tema de discursos na ONU. Que sejam barrados nas fronteiras, ou se afoguem no mar, sem muito barulho. Ou que a União Europeia siga adiante com seus planos de absorção, ainda pouco extensivos, e continue a debater se a entrada de tantos refugiados -a maior parte deles muçulmanos, insistirão os xenófobos e islamófobos– é social e economicamente viável.

Em todo caso, esse tipo de discussão leva em conta apenas os sintomas, mas não as causas da enfermidade. Os milhões de sírios que deixaram suas casas não o fizeram em busca de uma "vida melhor", como fazem parecer aqueles que dizem haver uma "crise migratória".

Ninguém deixa sua terra e tenta cruzar o mar em barcos precários, arriscando a vida, procurando um emprego. Os refugiados buscam, mais que uma "vida melhor", uma vida possível. E eles só vão deixar de fugir quando o monstro que lhes persegue for destroçado –isso é, quando houver na Síria um governo que não esteja em guerra com seu próprio povo e quando o Estado Islâmico tiver sido derrotado.

Podemos no Brasil continuar a acolher refugiados, e são inspiradoras as histórias como a do engenheiro sírio Talal al-Tinawi, que vende quitutes de comida árabe depois de ter recebido apoio via internet. Mas o melhor desfecho para essa crise é que a Síria volte a ser, afinal, um país ao qual alguém possa retornar.

Diogo Bercito, é jornalista e assina os blogs Orientalíssimo e Mundialíssimo no site da Folha