Inclusão

Iniciativas nacionais ainda penam para conseguir incentivo e sucesso

DE SÃO PAULO

Ao longo das últimas duas décadas, pelo menos cinco iniciativas nacionais tentaram treinar cães-guia e introduzir no país métodos de criação e desenvolvimento dos animais.

Todas elas esbarram em problemas comuns: falta de ninhadas em condições de se desenvolverem como cães trabalhadores –na Europa e nos EUA, já são décadas de gerações guiando pessoas–; falta de incentivo financeiro para manter a logística dos animais; poucos treinadores especializados e até quebra de compromisso das famílias socializadoras que ou não devolviam o cão, ou não cumpriam o protocolo de criação dos bichos.

O Sesi de São Paulo foi uma das últimas grandes entidades que tentou dar uma resposta social à falta de cães-guia no país. Depois de conseguir entregar apenas nove cachorros, o programa de treinamento foi desativado.

Um dos mais longevos programas de treinamento nacionais é o de Brasília (DF), que tem 16 anos e conta com membros do Corpo de Bombeiros. O Projeto Cão-Guia, que capacita labradores, está permanentemente em busca de recursos para sua manutenção.

Instituto Íris/Divulgação
Cães de pelúcia da ONG americana Leader Dogs for the Blind, de Rochester, Michigan (EUA)
Cães de pelúcia da ONG americana Leader Dogs for the Blind, de Rochester, Michigan (EUA)

Em Sorocaba (SP), o Instituto Magnus entregou, há pouco mais de um mês, cinco cães filhotes para serem socializados em famílias do município.

Mas é em Balneário Camboriú (SC), que uma nova ação para multiplicar os cães-guias no país mais ganhou fôlego nos últimos anos. Em 2016, inaugurou uma sede própria para a escola Helen Keller, mantida com doações e apoio técnico de entidades internacionais.

"Em 2021, se tudo der certo, queremos ter a rotina de passar a entregar até 30 cães por ano às pessoas com deficiência visual. É muito trabalho, os custos são altos, mas vamos conseguir", declara Ênio Gomes, diretor da unidade.

Um funcionário da escola foi mandado para a Austrália, onde ficou por dois anos, para aprender técnicas de capacitação dos cães. Para contornar o problema da falta de qualificação das ninhadas nacionais, matrizes vieram da Nova Zelândia para gerar filhotes.

Angelo Borba
Cães da primeira ninhada da escola de cães-guia Helen Keller, em Balneário Camboriú (SC)
Cães da primeira ninhada da escola de cães-guia Helen Keller, em Balneário Camboriú (SC)

"Há seis anos fazemos reprodução dos cães aqui em Santa Catarina, principalmente de labrador, o mais adaptado à nossa região. Em 2018, teremos já uma boa população e será mais fácil trabalhar", diz o diretor.

O programa federal pela inclusão chamado Viver sem Limites, criado ainda no governo de Dilma Rousseff (PT), em 2011, tinha como meta a criação de cinco unidades de treinamento para cães-guia e dar cursos capacitantes para treinadores em todo o país. Até agora, porém, apenas a parte da meta foi cumprida. Dois centros estão prontos e em funcionamento: Camboriú (SC) e Campus Alegre (ES). Outros dois centros estão com a estrutura física pronta, mas ainda faltam equipamentos: Urutaí (GO) e Muzambinho (MG), que devem começar a operar no ano que vem.

A Secretaria Especial dos Direitos da Pessoa com Deficiência, vinculada ao Ministério da Justiça e Cidadania, respondeu ao contato da reportagem apenas a publicação deste especial, no último dia 10. A pasta informou que investiu cerca de R$ 2,5 milhões em cada centro e que são "inúmeras" as barreiras para a manutenção dos programas de treinamento.

"Um dos principais entraves encontrados é a escassez de profissionais qualificados no Brasil para a primeira fase do programa, que é a de formar os multiplicadores dos sete centros. Há uma recomendação de que os instrutores recém-formados sejam supervisionados periodicamente por instrutores mais experientes durante o primeiro ano da profissão. No entanto, não há no Brasil profissionais suficientes e qualificados para essa atividade. Associado a isso, há uma grande dificuldade em encontrar material bibliográfico e conteúdo técnico disponível no país", diz nota da secretaria.

Para a pasta, "outro entrave encontrado é a aquisição de animais com alta qualidade genética, uma vez que esses animais são adquiridos por meio de licitação, deixando de fora muitos canis que possuem dificuldade em atender às documentações exigidas. Por isso, uma das alternativas encontradas foi um programa de reprodução próprio com as melhores matrizes dos centros em funcionamento e sêmen importado da Federação Internacional de Cão-Guia para suprir a demanda dos centros no Brasil. Ainda podemos citar a dificuldade de recursos financeiros para a manutenção dos centros, uma vez que o cenário econômico não é favorável e o programa demanda recursos mínimos e contínuos para atender ao manejo com os animais - sanitário, nutricional e reprodutivo, bem como acompanhar as famílias socializadoras."

O treinador Moisés Vieira Jr., 52, que tem 20 anos de experiência e estudou na Nova Zelândia, acredita que o país ainda terá sucesso em suas iniciativas. "Há profissionais sérios no Brasil. Pessoas que conhecem como fazer. O que não dá é sempre começar do zero ou ficar na dependência de licitações governamentais para comprar um material básico de um cachorro."

RAÇAS

Em todo o mundo, a raça labrador é a mais comum a ser trabalhada como cão-guia. A personalidade dócil desse grupo e sua fácil adaptação a diferentes tipos de pessoas são os principais motivos apontados pelos especialistas para a predileção.

No Brasil, a introdução do labrador foi "deliberada". "Para ganhar a simpatia do brasileiro à causa, tínhamos de trazer os labradores, que guardam com eles uma simpatia natural, uma aceitação incrível", declara Thays Martinez, presidente do Instituto Íris, que dá apoio aos cegos. Atualmente, Thays é conduzida por Diesel, um labrador preto.

Outra raça comum para exercer o trabalho de guia é a golden retriever. Menos comuns no país, há ainda cães-guia das raças pastor alemão e poodle gigante, além de cachorros gerados por misturas de raças.

Cães com porte pequeno não servem como guias porque é preciso ter uma boa estrutura corpórea para vestir os arreios e porque os cachorros pequenos teriam mais dificuldade de interação com os usuários.