Miratus: badminton na favela
SÉRGIO RANGEL
DO RIO
Um morador de um orfanato público decidiu montar um projeto social que combinasse esporte e educação numa favela carioca em 1998.
Dezoito anos depois, o trabalho realizado na comunidade da Chacrinha está próximo de ter um representante na Olimpíada. Se permanecer no topo do ranking brasileiro, Ygor Coelho, 19, terá a vaga confirmada em maio para disputar os Jogos do Rio.
O rapaz nasceu e cresceu no Centro de Treinamento montado na casa do pai, Sebastião Dias de Oliveira, 50, na favela da Chacrinha.
Ygor não é um caso isolado. O projeto revelou uma série de atletas para um esporte muito pouco conhecido no Brasil: o badminton -espécie de tênis com peteca, muito popular no Oriente.
Até então, a modalidade estava restrita a redutos de classe média alta no país.
Atualmente, a Associação Miratus de Badminton tem atletas no topo de quase todos os rankings nacionais e já conquistou mais de 60 medalhas internacionais. O projeto tem 16 atletas beneficiados pela bolsa-atleta federal.
"Meu sonho está realizado na plenitude. Queria usar o esporte como atrativo para trazer educação e reforço escolar para a comunidade. Acho que consegui", diz Oliveira.
O local, com quatro quadras oficiais, atrai 280 crianças da comunidade, que precisam comprovar bom desempenho na escola para frequentar a associação. Dezenas já viajaram para o exterior. Ygor, por exemplo, conhece mais de 50 países.
O centro de treinamento conta com salas de aula e professores para ajudar as crianças nas tarefas de casa, além de academia e cozinha.
"O badminton entrou meio por acaso. Conheci o esporte no trabalho e decidi trazer as raquetes e as petecas para cá. Comecei a jogar com uma menina na rua e várias crianças faziam fila para jogar no final do dia. A partir dali, decidi apostar", conta Oliveira.
Filho de uma ex-catadora do lixão de Gramacho, ele morou dos 7 aos 18 anos num orfanato público. Hoje, dá aulas de educação física no Colégio Pedro 2º, referência no ensino público no Rio, e é técnico de badminton. "Se de uma comunidade saiu tanta gente, imagine quantos podem surgir por todo o Brasil se o trabalho for sério", diz.
A Miratus sobrevive com recursos de 14 parceiros. Em 2015, arrecadou R$ 400 mil, um terço do ideal estimado pelos executivos do projeto.
A estrutura é bem enxuta. Segundo Oliveira, faltam coordenador técnico, psicólogos e fisioterapeutas, além de mais educadores, profissionais de administração e limpeza. Ele não tem salário.
O treinador foi também pedreiro e construiu sozinho as primeiras quadras do CT. Inquieto, até desenvolveu uma metodologia de ensino, o "bamon", baseada no samba e usada para ajudar os atletas a terem mais agilidade.
Violência
Erguida numa comunidade pobre da zona oeste, a Miratus já perdeu atletas para as drogas e a violência. "O tráfico ainda é opção para muitas crianças. Meu objetivo é produzir uma referência do bem na favela. O espelho é muito importante. Além de atletas, já formamos professores também", lembra Oliveira.
Medalha de prata no Pan de Toronto-2015, as irmãs Lohaynny e Luana Vicente foram reveladas na Chacrinha. Hoje, treinam em Campinas (SP).
Elas chegaram à comunidade após o pai ter sido assassinado -chefiava o tráfico em outra favela. Lohaynny também busca a vaga olímpica.
Fabio Teixeira / Folhapress | ||
Treino de badminton na Miratus, no Rio |
Formado em educação física, Aleksander Carlos, 32, foi atleta e hoje é supervisor.
"Se não fosse a Miratus, acho que poderia entrar no tráfico. Meus dois primos viraram bandidos e morreram."
No esporte dominado pelos asiáticos, a Miratus já virou uma referência no continente. Oliveira construiu dois alojamentos para 17 pessoas. Nos próximos meses, começará a receber atletas de outros países. Chilenos e paraguaios já reservaram vaga.
"Eles querem aprender conosco. Os estrangeiros vão vir para uma favela no Rio, bem longe dos cartões postais, apenas para crescer no esporte. Isso é legal demais."