O FUTURO

Programa subantártico

Não foi desta vez que o capitão de mar e guerra reformado Edison Martins, 68, conseguiu retornar ao local que ajudou a escolher para a base brasileira no continente gelado. Após dois voos fracassados, voltou ao Brasil sem ver navios.

Martins conta que a decisão de criar um Programa Antártico partiu do almirante Maximiano da Fonseca, ministro da Marinha de 1979 a 1984. Hoje seu nome está no casco do maior e mais moderno navio polar do Brasil (93 m de comprimento).

A primeira embarcação foi comprada em 1982, na Dinamarca, e rebatizada Barão de Teffé. Com ela montou-se a Operantar 1, que deveria identificar um local para implantar uma estação brasileira permanente, condição para o país tornar-se membro do Tratado Antártico (1959).

Tratava-se de "mostrar a bandeira", diz Martins. O Barão de Teffé fez estudos oceanográficos ao longo da península Antártica e no mar de Weddell, mas o mau tempo e o gelo impediram o desembarque dos brasileiros novatos e o reconhecimento de terreno para uma base.

Só em fevereiro de 1984 se definiu o local, após sugestão do comandante da base polonesa Arctowski: a península Keller, no fundo da baía do Almirantado, onde há lagoas de degelo com água potável e a inclinação da praia favorece desembarques.

Teve início a construção da primeira EACF, com 120 m2 distribuídos por oito contêineres fabricados em Botucatu (SP), capaz de alojar 12 pessoas. A estação foi progressivamente expandida até que, em 2012, terminou destruída no incêndio.

Hoje funcionam ali módulos antárticos emergenciais (MAE) comprados no Canadá. Decidiu-se que a nova EACF, um projeto do escritório de arquitetura Estúdio 41 de Curitiba, será erguida no mesmo local ao custo de US$ 100 milhões.

O prédio principal, com 4.500 m2 e 18 laboratórios, poderá abrigar 64 pesquisadores. A construção está a cargo da firma chinesa Ceiec, que já fez sondagens geológicas em Rei Jorge e começou a fabricar os módulos metálicos na China.

A escolha feita pela Secretaria da Comissão Interministerial de Recursos do Mar (Secirm) tem enfrentado controvérsia no meio científico. Pesquisadores como o paleontólogo Kellner sonham em trabalhar mais ao sul.

A baía do Almirantado, na altura do paralelo 62o, está mais perto da América do que do pólo Sul. Fica fora do Círculo Polar Antártico (66o), ou seja, em região subantártica.

"Se o Brasil realmente quiser ter uma participação maior dentro do cenário da pesquisa científica na Antártida, tem de ousar mais, e ousar mais significa ir a outros lugares", pondera Kellner. "Expandir horizontes, não ficar só numa baiazinha."

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação avalia que as atividades dos 24 projetos escolhidos por edital nesta Operantar trarão resultados inéditos à pesquisa brasileira na Antártida e já envolvem atividades mais ao sul da área geográfica tradicional do Proantar, com apoio do Ary Rongel e do Max.

Parte da verba, defendem cientistas, deveria ser destinada à compra de um navio quebra-gelo. Os atuais só conseguem enfrentar banquisas de menos de meio metro de espessura, o que limita sua área de atuação, mesmo no verão antártico.

A Marinha justifica a construção da nova EACF no mesmo lugar com a ideia de não causar impacto ambiental em outra parte da Antártida. "A aquisição de um navio quebra-gelo, bem como a reutilização dos MAE, após a reconstrução da EACF, poderão ser objeto de análise futura", informa seu Centro de Comunicação Social.

Se os recursos para a estação estão assegurados, o mesmo não parece ser o caso dos que se destinam à pesquisa antártica. Em 2015 os gastos foram de R$ 526.821, apenas 36,63% do autorizado no Orçamento da União. Para 2016, a previsão de R$ 1.386.815 embute corte de 3,58% em relação à dotação anterior.

Os cientistas estão ainda mais inquietos com o apoio logístico à pesquisa. Foram gastos só 7,37% da dotação de R$ R$ 63 milhões para a missão antártica em 2015. E, em 2016, houve congelamento de 90,2% dos recursos, reduzidos para R$ 6.171.019.

"Não vamos parar nenhum projeto neste ano", diz o ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Celso Pansera. "Temos a expectativa de novos recursos vindos de de organismos multilaterais, que ainda estamos negociando, mas nenhum projeto estratégico está parado. Claro que há contingenciamento, mas vamos ajustando a máquina ao longo do ano."

Sem resistência, perseverança e muito sangue-frio, parece evidente, não se faz pesquisa na Antártida. Não se faz nada, aliás.

O jornalista Marcelo Leite viajou de Punta Arenas à base chilena Eduardo Frei a convite do Ministério da Defesa do Brasil