Sob Hillary ou Trump, vigora nos EUA preocupação com desfecho da Lava Jato
PATRÍCIA CAMPOS MELLO
ENVIADA ESPECIAL A WASHINGTON
Seja quem for o novo presidente dos EUA, a maior preocupação em relação ao Brasil será a mesma: corrupção.
Integrantes do governo, do Congresso e do setor privado ouvidos pela Folha estão em compasso de espera, atentos ao desenrolar da Lava Jato.
Investidores ainda estão cautelosos e esperam a conclusão das investigações para voltarem a investir no país, inclusive nas concessões de infraestrutura oferecidas pelo governo Michel Temer.
Uma fonte do Congresso americano considera saudável que se investigue e que a lei brasileira seja cumprida, mas diz que, por outro lado, há temor de que o que veio à tona seja só a ponta do iceberg.
A percepção é de que o Brasil sob Temer, assim como a Argentina sob Mauricio Macri e o Peru sob Pedro Pablo Kuczynski, estão muito mais alinhados aos EUA.
Mas há duas inquietações: as sérias investigações em curso, que causam instabilidade, e a capacidade de a economia se recuperar. A crise pode ter reflexos na região.
A legitimidade do impeachment de Dilma Rousseff não é mais uma preocupação. Mas há diferenças marcantes no relacionamento com líderes da região: Macri assumiu a Presidência da Argentina em dezembro de 2015 e em março já recebia a visita de Obama. Com Temer, o processo será mais lento.
A agenda bilateral segue anêmica. "O governo quer saber o que o Brasil quer, porque hoje não existe um norte na relação entre os dois países", diz Joel Velasco, vice-presidente sênior da consultoria Albright Stonebridge Group, ligada a Hillary Clinton.
Os EUA esperam que o Brasil —assim como Argentina, Peru, Colômbia e Chile—, continue a pressionar o venezuelano Nicolás Maduro a negociar com a oposição e seguir o rito constitucional.
Para Shannon O'Neill, do Center on Foreign Relations e assessora da campanha de Hillary, as relações Brasil-EUA continuariam na rota de aproximação dos últimos meses em um governo dela. "O Brasil tem sido mais assertivo em relação à Venezuela, algo importante para Hillary."
Outra expectativa é de cooperação no setor energético, principalmente em fontes renováveis como energia solar, eólica e hidroelétrica. Além da ideia de que o Brasil receba de volta parte dos haitianos que deixaram o país e agora estão detidos nos EUA, para onde tentavam emigrar.
O governo brasileiro encara com tranquilidade a possibilidade da eleição da democrata. Já uma vitória de Trump é vista com ceticismo.
"A eleição de Trump suscita mais perguntas que respostas, e o Brasil não se preparou para ela", diz Paulo Sotero, diretor do Brazil Institute no Woodrow Wilson Center.
Um dos interesses do Brasil é relançar negociações de um acordo de uso americano da base de Alcântara (MA) para lançamento de satélites.
O país chegou a assinar um acordo de salvaguardas tecnológicas em 2000, que acabou não ratificado pelo Congresso brasileiro. A crítica era que o acordo fazia concessões exageradas aos americanos.
"Oferecemos aos americanos uma base em localização muito vantajosa, e, em contrapartida, poderemos absorver tecnologia", diz o embaixador brasileiro em Washington, Sergio Amaral.
Segundo ele, iniciativas que ficaram paradas ou desaceleraram desde o escândalo de espionagem da NSA estão sendo retomadas. "Uma delas é um acordo de investimentos: o Brasil tem US$ 24 bilhões em investimento estrangeiro direto nos EUA, enquanto os americanos têm US$ 106 bilhões no Brasil."
Em relação a negociações comerciais, seja com Trump ou Hillary, o ambiente será menos favorável a acordos. Em fevereiro, Obama assinou a Lei de Facilitação e Implementação de Comércio.
"Na prática, a lei facilita a abertura de investigações de dumping e abre caminho para ações de defesa comercial contra produtos estrangeiros", diz Antonio Josino Meirelles, diretor executivo do Brazil Industries Coalition, que representa empresas brasileiras nos EUA.
Hillary não tem postura protecionista, mas, para conquistar eleitores de Bernie Sanders, teve de voltar atrás em seu apoio à Parceria Transpacífico (TPP).
Segundo um integrante do governo, Obama tentará aprovar a TPP no Congresso na chamada "lame duck session" (sessão do pato manco, que designa o mandato do presidente após a eleição de novembro). As chances de aprovação são pequenas.
"Para o Brasil, não é ruim que a TPP não passe. Nós tenderíamos a perder mercado", diz Aluísio Lima Campos, professor de política comercial da American University.
Das questões caras ao Brasil, uma foi superada neste ano: o mercado americano foi aberto para a carne in natura brasileira. Já a isenção de vistos a brasileiros ficou mais distante —com a crise, aumentou o índice de rejeição (há percepção de que mais gente pretende emigrar ilegalmente para os EUA). Um índice abaixo de 3% é um dos pré-requisitos para a isenção de vistos.