Demografia e eleições

Obstáculo para Trump, população mais diversa demanda reforma republicana

Donald Trump durante comício em Golden, no Estado do Colorado Jason Connolly/AFP
Donald Trump durante comício em Golden, no Estado do Colorado

CARLOS GÓES
ESPECIAL PARA A FOLHA

As rápidas transformações da demografia norte-americana cada vez mais darão as cartas no jogo político do país. E Donald Trump, candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos, pode ser, confirmadas as pesquisas de opinião, vítima desse processo.

Segundo projeções oficiais do censo americano, em 2044 os EUA serão um país "majoritariamente minoritário", ou seja, aquele em que as minorias étnicas não-brancas serão a maioria. Tal mudança não é restrita geograficamente: até 2050, minorias étnicas serão majoritárias em 20 dentre os 50 Estados americanos.

Como os grupos étnicos tendem, na média, a apoiar partidos distintos, essas mudanças têm fortes implicações políticas. Entre 1984 e 2012, os eleitores americanos se dividiram mais ou menos ao meio em seu apoio a republicanos e democratas.

Entre brancos, republicanos tiveram uma fração maior de votos. Já entre minorias étnicas, democratas tiveram vantagem. Nas últimas três décadas, cerca de 2/3 dos latinos e 90% dos negros preferiram os democratas.

Enquanto os brancos são a maioria do eleitorado, a desvantagem de republicanos entre as minorias pode ser compensada por uma vitória neste grupo predominante. Essa possibilidade, no entanto, tem se tornado cada vez mais difícil.



Em 1992, a desvantagem dos republicanos entre minorias correspondia a 8% do total de votos. Vinte anos depois, essa diferença tinha crescido para 18% desse total, aumentando a vantagem do Partido Democrata.

Como se não bastasse esse movimento demográfico, a candidatura de Donald Trump adotou um tom radical nesta campanha, baseando-se numa rejeição ao que ele define como "politicamente correto".

Trump rompeu com posições tradicionais do Partido Republicano, como um apoio ao livre comércio internacional e uma diferenciação clara entre terroristas e muçulmanos pacíficos.

Essa postura tem feito com que ele perca apoio dos grupos mais progressistas que tradicionalmente apoiam seu partido, como o de mulheres brancas e o de brancos com ensino superior completo.

Além disso, sua abordagem da questão da imigração ilegal —peça central de sua campanha— é pouco atraente para latinos. Em seu primeiro discurso de campanha, Trump chegou a caracterizar os imigrantes irregulares vindos do México com estupradores e traficantes.

Seu objetivo era capitalizar sobre a postura anti-imigração de parte da população americana, que culpa imigrantes por problemas a despeito das estatísticas mostrarem que aqueles que imigram para os EUA, legal ou ilegalmente, tendem a ser menos propensos à criminalidade e ao uso de serviços públicos que pessoas nascidas no país.

Com Trump, portanto, a base republicana tem se tornado cada vez mais concentrada em eleitores brancos sem ensino superior completo —que representam cerca de um terço do eleitorado.



Como nos EUA o voto é facultativo, a esperança do candidato é que sua base participe nas eleições de forma superlativa de modo a garantir sua vitória. Mas essa polarização demográfica tem efeitos importantes para a eleição de 2016: dividindo-se o eleitorado entre brancos e não brancos, as eleições teriam resultados opostos.

Consciente dessas tendências demográficas, após a derrota eleitoral de 2012, o Partido Republicano publicou um estudo definindo o que teria de fazer para se adaptar à nova realidade populacional americana.

Entre as medidas sugeridas, estava o apoio à reforma migratória (que legalizaria os 11 milhões de imigrantes ilegais, a maioria deles latinos, que vivem nos EUA) e a promoção de lideranças latinas republicanas.

Antes do começo das primárias, os favoritos ao posto de candidato republicano eram o ex-governador Jeb Bush e o senador Marco Rubio. Ambos têm sua base na "latina" Flórida, falam espanhol fluentemente e apoiam uma reforma migratória que contemple a acolhida dos imigrantes irregulares.

Como se sabe, venceu o oposto desta opção pela moderação. E o risco é que os republicanos percam, para sempre, o apoio dos latinos, assim como aconteceu com o apoio dos negros no passado.

Em 1964, o candidato republicano Barry Goldwater concorreu à presidência em oposição à Lei de Direitos Civis, ratificada naquele ano por seu oponente, o Presidente Lyndon Johnson, que proibia a segregação racial em ambientes públicos e privados. Politicamente, a eleição foi um grande divisor de águas. Desde então, os democratas passaram a ter cerca de 90% dos votos dos negros.

Se Trump se revelar um Goldwater dos latinos, ganhar eleições presidenciais se tornará uma tarefa hercúlea para os republicanos. Hoje, como há quatro anos, as tendências demográficas de longo prazo dos EUA demandam uma reforma do Partido Republicano. Resta saber se, no mundo pós-Trump, ela ainda será possível. Ou se já será tarde demais.

CARLOS GÓES é pesquisador-chefe do Instituto Mercado Popular, mestre em economia internacional pela Universidade Johns Hopkins e vive em Washington desde 2012.