Capítulo 4

Vítimas reclamam de mau atendimento mesmo em delegacias de defesa da mulher

DE SÃO PAULO

Maria, que é menor de idade, sentou-se diante de uma agente policial de uma DDM (Delegacia de Defesa da Mulher). Precisava relatar a tentativa de estupro que sofrera dentro de um ônibus, na zona leste de São Paulo.

Na sala ao lado, no entanto, estavam justamente o agressor de Maria, acompanhado de seu colega. A porta que dividia as duas salas permaneceu aberta durante todo o depoimento da vítima.

A jovem sentiu-se constrangida com a proximidade dos agressores e com o atendimento grosseiro que recebeu na delegacia. Nervosa, assinou o boletim de ocorrência, mesmo vendo que ele continha informações equivocadas.

Ocorrido há um ano, o relato de Maria consta em uma série de reclamações encaminhadas à Ouvidoria da Polícia Civil de São Paulo que apontam a falta de amparo das DDMs à mulher que sofre algum tipo de violência.

Entre os relatos constam ainda a dificuldade em se registrar uma ocorrência, o descrédito na versão da vítima e a lentidão das investigações.

No último mês de dezembro, por exemplo, uma mulher buscou ajuda para denunciar a perseguição, calúnias e ameaças de morte que vinha sofrendo de seu ex-marido em uma DDM de São Paulo.

Mesmo com as ameaças documentadas em conversas de celular, a vítima não conseguiu registrar o boletim de ocorrência. Segundo ela, a escrivã se negou a atendê-la, alegando não haver crime no caso. "Falei a ela [escrivã] que ele poderia me matar. Ela somente respondeu que, se ele fizer isso, responderia criminalmente", relata a vítima à ouvidoria da polícia.

Diego Padgurschi /Folhapress
Casal diante de cartazes contra violência sexual em tapume no Masp
Casal diante de cartazes contra violência sexual em tapume no Masp

Em outro caso, desta vez na região metropolitana, outra vítima denunciou a agressão do ex-marido em uma delegacia comum e foi orientada que seu inquérito seria transferido para uma DDM. Mas quando retornou à delegacia para verificar se a investigação já havia sido transferida, disse ter sido atendida com deboche. "Você acha que isso vai dar em alguma coisa?" Isso não vai dar em nada", teria dito uma funcionária da delegacia.

No município paulista de Hortolândia (109 km de SP), na região de Campinas, a mãe de uma criança teve que ir seguidas vezes à delegacia local cobrar agilidade nas investigações do estupro do filho(a) [devido o segredo de Justiça, não se sabe o sexo da vítima]. Em uma reclamação feita à Ouvidoria da Polícia, a mulher reclama que os suspeitos do crime estão impunes e debocham da situação. Ela diz ainda que o advogado da família é destratado pelos policiais sempre que procura por informações do caso.

Para a promotora Valéria Diez Fernandes, coordenadora nacional de um grupo de promotores e procuradores que combatem a violência doméstica e contra a mulher, o descrédito nas autoridades é dos motivos que fazem as mulheres evitarem delegacias.

Falei a ela [escrivã] que ele poderia me matar. Ela somente respondeu que, se ele fizer isso, responderia criminalmente"