Capítulo 3

Em SP, bairros campeões em registro de estupro não têm delegacias especializadas

DE SÃO PAULO

Nenhum dos dez distritos campeões de registros de estupro de 2015, na capital, possui DDM (Delegacia de Defesa Mulher). São locais como Capão Redondo, Itaim Paulista (zona leste) e Jardim das Imbuias (na zona sul).

Essa falta de capilaridade em São Paulo é um dos problemas pelos quais passam aqueles que resolvem denunciar o crime de violência sexual.

Talvez por isso, apenas 2 em cada cada 10 inquéritos abertos para apurar estupros são esclarecidos pela polícia.

Marlene Bergamo/Folhapress
Fachada da 1ª Delegacia da Mulher, na Sé, que fecha as 20h.
Fachada da 1ª Delegacia da Mulher, na Sé, que fecha as 20h; nenhuma DDM em SP funciona 24h por dia

Questionada pela Folha, a Secretaria da Segurança Pública não informou quantos inquéritos foram conduzidos por essas delegacias.

Segundo delegados ouvidos pela reportagem, a maioria é conduzida por policiais de unidades normais. E, ainda segundo eles, as delegacias da mulher devolvem as investigações encaminhadas por outros unidades alegando falta de estrutura.

Para ter uma ideia da falta de amparo sentido pela vítima na hora da denúncia, na última semana, a Folha passou sete horas na delegacia campeã de registro de estupro em São Paulo, a do Capão Redondo. Na delegacia, onde não há funcionárias mulheres, foram feitos quatro registros de violência contra a mulher.

Durante a investigação de crimes de estupro, como mostra uma pesquisa conduzida pela socióloga Daniella Coulouris, a reconstrução social dos envolvidos passa a ter um peso decisivo na absolvição ou condenação dos acusados.

Um caso típico, por exemplo, é o de um padrasto que abusa de uma menina.

A palavra dela pode não ser levada em conta sozinha e a investigação vai definir, com outros depoimentos, os comportamentos da menina e do padrasto. Não é raro, a vítima ser caracterizada como "namoradeira" ou, então, "ter confundido as coisas" e o agressor ser absolvido por ser uma pessoal "normal", "trabalhadora" e "sem vícios".

"Além do silêncio da vítima, outro fato que dificulta a prova é que o homem que pratica o estupro pode ter o perfil de bom cidadão, ser réu primário, ter bons antecedentes", diz Valéria Diez Scarance Fernandes, coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo. "Então, os homens que praticam crimes sexuais não têm um perfil socialmente identificável. Se você diz que os agressores sexuais são monstros, você leva a um engano de que eles podem ser identificados na rua, eles não podem, eles estão entre nós."

Outro problema, de acordo com trabalhos acadêmicos, é a crença, que existe entre membros do Judiciário, de que muitas queixas de estupro são motivadas por desejos de vingança ou interesse financeiro das vítimas. A questão de violência de gênero, apesar de o quadro começar a mudar nos últimos anos, ainda está ausente dos dos tribunais, apontam.

Se você diz que os agressores sexuais são monstros, você leva a um engano de que eles podem ser identificados na rua, eles não podem, eles estão entre nós

Valéria Diez Scarance Fernandes, promotora