Legado renegado
JOHANNA NUBLAT
GUILHERME MAGALHÃES
Em maio, quando muitos relembravam os 50 anos do início da Revolução Cultural, os olhares estavam sobre como a China reagiria à data.
Quase nada foi dito. O silêncio dos canais oficiais foi rompido com um artigo publicado pelo "People's Daily", um veículo oficial.
"A história provou que a Revolução Cultural foi totalmente errada em teoria e na prática", dizia o texto, que citava um mea-culpa feito em 1981 pelo Partido Comunista. "Por um futuro luminoso, a repetição da Revolução Cultural nunca será permitida", seguia o artigo.
STR/AFP | ||
Policial chinês faz guarda da praça da Paz Celestial em frente a foto de Mao, em 2016 |
Apesar de o período ser entendido como um erro histórico, Mao Tse-tung é visto nos principais cartões-postais de Pequim: sua imagem está afixada na entrada da Cidade Proibida, e o seu corpo, embalsamado, pode ser visitado na Praça da Paz Celestial.
Nas palavras do atual presidente chinês, Xi Jinping, Mao foi "um grande patriota e herói nacional", mas que cometeu "erros graves".
"Os erros do camarada Mao Tse-tung em seus últimos anos têm fatores subjetivos e responsabilidade pessoal, e razões históricas e sociais complicadas em casa e no exterior desempenharam seu papel", disse Xi em 2013, em celebração ao 120º aniversário de nascimento de Mao.
O mandato de Xi, que assumiu a Presidência em 2013, visto como bastante centralizador em termo de poderes, é criticado pelo cerco a liberdades individuais e de manifestação, com episódios que geraram ondas de críticas internacionais —como a prisão de mais de 200 advogados de direitos humanos e assessores, em 2015.
Até onde, porém, é possível associar Xi com Mao?
"Xi Jinping quase que combinou seus interesses com aqueles do Partido Comunista, de forma que são quase inseparáveis. Isso parece maoista pelo menos do ponto de vista tático", avalia Kerry Brown, diretor do Instituto Lau China (King's College).
Mas a comparação tem um limite. "De diversas maneiras, Xi pegou a habilidade de Mao como num comunicador e contador de histórias e tentou copiar isso num contexto moderno. Mas, em relação ao controle completo que Mao tinha, isso seria impossível de se conseguir agora."
O professor completa: "Mao continua imensamente importante como símbolo e fundador do regime e da nação. Mas, de Xi para baixo, as pessoas sabem o custo da Era Mao. Eles querem um lado de Mao, mas não o outro".
Stringer/Reuters | ||
Visitante observa estátua de Mao Tse-tung feita em ouro e exposta em Shenzhen |
Quando chineses que viveram o período falam sobre a época, porém, certa nostalgia emerge, afirma o especialista em estudos chineses John Garver, do Instituto de Tecnologia da Geórgia (EUA).
"Eles acreditam que todo governo faz coisas estúpidas", diz Garver.
"O povo não conhece os aspectos negativos, pois nada está nos livros de história. O pouco que os jovens de hoje sabem sobre a Revolução Cultural vem de seus familiares, em privado e com todo o cuidado."