O presidente Arthur da Costa e Silva em 1967, um ano antes de decretar o AI-5. Foto de Acervo UH/Folhapress

Capítulo 2
Capítulo 2

Ditadura cogitou aumento das punições à imprensa

Ministro queria prisão de jornalistas que publicassem "fatos verdadeiros truncados"

Rubens Valente
Brasília

Em 17 de dezembro de 1968, quatro dias depois do AI-5, o então ministro da Justiça Luís Antônio Gama e Silva (1913-1979) pressionou a cúpula do governo a ser ainda mais dura com os jornalistas e veículos de comunicação.

Ele dirigiu ofício ao então presidente da República, o general Costa e Silva (1899-1969), sugerindo que a Lei de Imprensa, criada no ano anterior e só derrubada em 2009, fosse alterada para permitir a prisão de jornalistas, por até dois anos, que divulgassem "fatos verdadeiros truncados ou deturpados" e mesmo que não provocassem as consequências previstas na lei, como "a perturbação da ordem pública ou alarme social".

Além das prisões, Gama e Silva queria poderes para apreender exemplares e suspender veículos de comunicação de imediato caso divulgassem nomes de "organizações proscritas" ou mencionassem nomes e declarações de políticos cassados pelo AI-5.

O ministro pretendia ainda proibir "a reprodução de manchetes, imagens ou fotografias de atos de violência ou de crimes" e a publicação de textos na imprensa sem a identificação completa do autor, numa época em que era comum a publicação de reportagens sem a assinatura dos repórteres.

"O momento atual justifica a aplicação dessas medidas, tornando-se, data vênia, desnecessária sua justificativa, principalmente no que se refere à censura aos meios de comunicação, especialmente a imprensa", escreveu Gama e Silva ao presidente Costa e Silva. Seis meses depois, em novo ofício, Gama e Silva insistiu nas mudanças, mencionando genericamente "abusos" cometidos pelos meios de comunicação "contra o interesse nacional, a paz pública, a moral e os bons costumes".

Os documentos na época classificados como secretos e hoje sob a guarda do Arquivo Nacional, em Brasília, mostram que as propostas de Gama e Silva receberam em parte a simpatia do CSN (Conselho de Segurança Nacional).

Formado por militares de diversos órgãos, como o centro de espionagem SNI (Serviço Nacional de Informações), o CSN era um órgão de assessoramento direto do presidente da República e, durante a ditadura, teve a função de formular e indicar a política de segurança nacional estabelecida em um Conceito Estratégico Nacional inspirado em doutrinas da ESG (Escola Superior de Guerra).

O secretário-geral do CSN, o general Jayme Portella (1911-1984), concordou com a questão do banimento dos nomes dos cassados, tachando-o de "oportuno e conveniente", e de entidades proscritas, em especial as que representavam estudantes. "Evitarão constantes citações de UNE, Ubes etc e promoções pessoais dos políticos cassados".

As investidas da ditadura contra os jornalistas a partir do AI-5 se tornaram concretas de muitas maneiras, ainda que Gama e Silva não tenha conseguido alterar a Lei de Imprensa. Num despacho ao lado dos ofícios do ministro, alguém do governo escreveu: "O Presidente se reserva a oportunidade de estudos de cada caso, em particular".

"Foi um dia que deixou todo mundo estarrecido", lembra Cláudio Coletti, 88, sobre a edição do AI-5, em 13 de dezembro de 1968. Durante 20 anos, de 1960 a 1980, Coletti dirigiu a sucursal da Folha em Brasília. "A gente já vivia uma situação difícil e aí o negócio "pretejou" mais ainda. A cobertura começou a dificultar. O acesso às informações começou a ficar mais difícil. As autoridades recebiam os jornalistas com muita restrição", disse Coletti.

Naquela época, segundo o jornalista, um repórter da sucursal, D"Alembert Jaccoud (1934-2009), foi preso por militares numa rua de Brasília e interrogado por uma semana numa unidade do Exército, outro teve cassada a credencial do Ministério da Aeronáutica e houve vários casos de jornalistas que cobriam os ministérios e eram pressionados.

Gama e Silva, o ministro que queria aprofundar o controle sobre a mídia, fazia uma pressão tremenda sobre o jornal, segundo Coletti, mas não obteve resultados. "A Folha naquele tempo era assim uma linha meio "contra-Revolução", né. Mas muito pouco podia fazer. A repressão era violenta."

Segundo Coletti, o SNI infiltrou um repórter na sucursal para fazer relatórios a respeito da real autoria de reportagens -uma das medidas reclamadas por Gama e Silva era a identificação dos textos. De acordo com Coletti, o espião foi descoberto a partir de uma apuração interna sobre a origem de uma carta anônima que "denunciava" a sucursal e acabou demitido sumariamente.

Porões

O jornalista José Antonio Severo, 75, era repórter na sede da revista Veja em São Paulo quando veio o AI-5. A revista havia sido criada pela Editora Abril em setembro, apenas quatro meses antes do Ato. "Na imprensa, a Veja foi a primeira vítima do AI-5, eu acho. Poucos dias depois do Ato, ela fez uma capa com o Costa e Silva sozinho no plenário do Congresso e uns quepes militares em cima de cadeiras vazias. Os militares mandaram apreender toda a edição. Muita coisa já tinha circulado, não conseguiram pegar tudo", disse Severo.

Segundo o jornalista, os efeitos imediatos do AI-5 foram o aumento da tortura e da violência do regime e da repressão à imprensa alternativa, na qual trabalhavam muitos jornalistas da imprensa tradicional. Ele atuava no Bondinho e no Ex-Jornal, de São Paulo, que logo depois pararam de circular.

"O AI-5 no início pegou muito em cima da área policial. Eles prendiam as pessoas e não tinha mais habeas corpus. A polícia baixava o pau. Mas era coisa lá nos porões do governo. Aí depois é que veio a censura mesmo. Eles avisavam aos editores o que não podia ser publicado", disse Severo.

Muitas vezes os jornalistas ficavam sabendo das notícias quando a censura telefonava para as Redações. "A gente terminava sabendo o que estava acontecendo pela própria censura. A censura dizia "não poda falar da guerrilha do Araguaia". E a gente acabava sabendo que tinha uma guerrilha no Araguaia, o que ninguém tinha ideia", disse Severo.