'Politizar direitos humanos é desprezar a dor das vítimas', diz Jon Lee Anderson
Para o jornalista e escritor Jon Lee Anderson, os argentinos "jamais irão se reconciliar se sempre forem discutir os direitos humanos de forma politizada".
Em entrevista à Folha, Anderson –que passou anos cobrindo conflitos na América Latina, é autor de uma biografia de Che Guevara e hoje escreve para a revista "New Yorker"– diz que a crispação que existe na Argentina atualmente com relação aos crimes cometidos pela repressão nos anos 70 e 80 "se deve ao fato de haver sempre uma disputa político-partidária por trás de decisões que deveriam ser tomadas pela Justiça e discutidas pela sociedade, e não pertencerem a um determinado governo".
Tuca Vieira/Folhapress | ||
Jon Lee Anderson durante a Flip, em Paraty, em 2005 |
Para Anderson, a Argentina deu um exemplo ao mundo ao colocar no banco dos réus, de modo tão rápido –logo depois da redemocratização, nos anos 1980– os principais acusados do lado da repressão e do lado da guerrilha.
"A partir daí, porém, se fez muita confusão com as decisões relativas aos crimes da ditadura. Houve o Julgamento das Juntas, mas logo depois o mesmo presidente Raúl Alfonsín, que os havia impulsionado, promulgou as leis do Ponto Final (1986) e da Obediência Devida (1987), [libertando os que haviam atuado cumprindo ordens]. Então chegou Menem e ofereceu indultos, libertando os que haviam sido julgados e condenados. E depois veio Néstor Kirchner, que, por sua vez, derrubou os indultos e recomeçou a julgar a todos. Nesse vaivém de leis, torturadores andaram soltos muito tempo, e agora os que estão de novo presos creem que uma mudança de governo os libertará. Não se pode ir e voltar tantas vezes em decisões desse tipo."
Reprodução | ||
Capa do livro "Che, uma Biografia", de Jon Lee Anderson |
Anderson acrescenta que, para que o assunto seja um trauma superado, "é preciso esclarecer toda a verdade. Se não for possível, a vítima ou o familiar da vítima precisam se convencer de que o governo e a Justiça fizeram tudo o que era possível para responder sobre o que aconteceu de fato com aquele desaparecido".
A mudança que falta, considera ele, é que os argentinos deixem de ver o tema dos julgamentos como uma política que pertence a um partido ou que é exercida por um governo, e sim que "pertence a uma política de Estado, que se mantém de uma gestão a outra. E, como tal, tem de ser tratada com solenidade. Mas solenidade parece ser um termo inconcebível para os argentinos", conclui.
Quando fala em falta de solenidade, Anderson se refere ao ambiente "midiático, frívolo e de espetáculo que rondam essas disputas entre bandos políticos. E o que esse clima transmite é um desdém, um verdadeiro desprezo pela dor dos outros.
"Um contraexemplo que apresenta é o da líder das Mães da Praça de Maio, a contestada Hebe de Bonafini, que em discursos raivosos chega a defender terroristas e comemorou a queda das Torres Gêmeas, em 2001.
Sergio Goya/Folhapress | ||
Hebe de Bonafini, presidente da Associação das Mães da Praça de Maio, em entrevista em Buenos Aires, em 2010 |
"Não quero privá-la de sua dor, mas não ajuda nada ela justificar o terrorismo nos dias de hoje", afirma Anderson.
Fazendo um balanço do legado dos Kirchner, porém, Anderson considera que o estímulo para que se realizassem julgamentos de forma ampla por parte de Néstor e Cristina deve ser reconhecido.
"É sumamente importante que tenham colocado na cadeia os que cometeram crimes de Estado. Viraram uma referência para outros países. Sei que Macri tem uma outra visão, de talvez não insistir muito nesse tema, mas se ele deixar a Justiça fazer seu trabalho e, de vez em quando, sinalizar que a violência por parte do Estado não voltará, já será algo importante. Às vezes, basta um símbolo. Foi o que fizeram líderes alemães, e há outros exemplos na história."
Pierre Duarte/Folhapress | ||
Jon Lee Anderson durante o Terceiro Congresso Internacional de Jornalismo Cultural, em São Paulo, em 2011 |
Anderson elogiou o fato de que o novo presidente, Mauricio Macri, em seu discurso de abertura do Congresso, no último dia 1º de março, tenha afirmado que "nunca mais haverá violência institucional na Argentina".
Foto: María Pirsch/Brazil Photo Press/Folhapress) | ||
Mauricio Macri e a vice, Gabriela Michetti, na cerimônia de posse no Congresso, dia 10 de dezembro de 2015 |
Textos: Sylvia Colombo
Infografia: Rubens Alencar
Edição: Luiz Antonio Del Tedesco