SEXO FORTE

Mulheres ganham espaço e devem ser protagonistas em 2016

PAULO ROBERTO CONDE
DE SÃO PAULO

Wanda dos Santos dialogava animadamente com o jornalista Caetano Carlos Paioli a bordo do Panair que conduzia parte da delegação brasileira para os Jogos Olímpicos.

De súbito, ambos estranharam uma ligeira perda de potência da aeronave.

"Parece que um motor parou", reparou Paioli.

Wanda assentiu, mas deu de ombros. Estava mais preocupada com a iminente participação em sua segunda Olimpíada -tinha a expectativa de ir à final dos 80 m com barreiras, no atletismo.

Ao aterrissarem em Roma, para os Jogos de 1960, quase saltaram do assento ao ouvirem do piloto que, de fato, um dos motores havia pifado.

Hoje, aos 83, Wanda ri ao recordar o incidente ocorrido há quase 55 anos. Ela conta que, se o pior acontecesse, o Brasil não teria uma única competidora no evento.

"Eu fui a única mulher na delegação [de 81 atletas]. Só eu consegui índice", disse a ainda atleta.

À época, ela aliava o esporte com a jornada de trabalho como auxiliar administrativo no Sesi. Nada recebia para defender o país nas pistas.

A história de Wanda simboliza um tratamento dispensado ao alto rendimento feminino que não existe mais.

A um ano do início dos Jogos do Rio, as mulheres ganham destaque cada vez maior no esporte nacional e assumiram um protagonismo inédito para as pretensões de medalhas no megaevento.

O COB (Comitê Olímpico do Brasil) traçou um objetivo de que o país obtenha de 27 a 30 pódios e fique no top 10. Parte do sonho passa por elas.

ASCENSÃO

Dos 108 pódios do país nos Jogos, apenas 22 (ou 20%) foram obtidos por mulheres.

Porém, desde que conquistou uma medalha pela primeira vez, em Atlanta-1996 –64 anos depois que Maria Lenk se tornou a primeira brasileira a ir aos Jogos–, o naipe feminino nunca mais passou em branco no evento.

Foram quatro pódios em Sydney-00, dois em Atenas-04 e seis em Pequim-08.

Nos últimos Jogos, em Londres, as mulheres levaram seis medalhas, contra 11 dos homens. Dos três ouros nacionais, porém, dois vieram com elas: a judoca Sarah Menezes e o vôlei.

Nas duas primeiras temporadas deste ciclo olímpico, 2013 e 2014, as representantes femininas mantiveram a evolução. No ano passado, obtiveram sete medalhas em Mundiais ou equivalentes, contra cinco deles.

Por suas conquistas, Martine Grael e Kahena Kunze (vela), Duda Amorim (handebol) e Ana Marcela Cunha (maratona aquática) foram eleitas melhores do mundo em suas modalidades.

No anterior, haviam sido 12 medalhas nestes torneios. Ou seja, há inequívoca inversão na tendência de predomínio esportivo masculino.

VÁRIOS FATORES

Investimento, confiança, planejamento e até mesmo sorte são alguns dos motivos citados para a repentina evolução no cenário nacional.

"No judô, o essencial foi o investimento. Desde a base recebemos incentivo. Viajo para competir desde muito nova e isso me deu confiança", disse Mayra Aguiar, 23, atual campeã mundial e bronze olímpico em 2012.

As judocas mulheres ganharam mais medalhas do que o sexo oposto nos últimos três Mundiais. "Quando tivemos espaço, mostramos que era possível fazer", afirmou.

A confederação brasileira investe cerca de R$ 3 milhões anuais nas atletas da seleção feminina. Além de dinheiro, uma iniciativa apontada como determinante foi pôr no comando da equipe a técnica Rosicleia Campos, para que as necessidades fossem melhor compreendidas.

"Mulher é difícil. Mas, passou uma coisa, ela faz. A Rose contribuiu para o sucesso feminino", contou Érika Miranda, 28, medalhista nos Mundiais de 2013 e 2014.

O judô, modalidade que mais medalhas olímpicas deu ao país, é considerado o carro-chefe do país na Rio-2016.

A divisão de gêneros também ajudou Etiene Medeiros, 24, primeira campeã mundial na natação. "A confederação fez uma separação e deixou as meninas a cargo de um técnico só para elas [Fernando Vanzella]. Crescemos com isso", disse.

"Os investimentos estão mais equiparados, assim temos as mesmas chances que os homens de viajar e competir", aponta a lutadora de taekwondo Iris Tang Sing, 24, bronze no Mundial deste ano.

Entre brasileiros, homens e mulheres, Iris é quem mais venceu torneios internacionais nos últimos dois anos.

"Faço o que muitos homens não fariam. Treino três vezes ao dia, com dor, fome e sede quando estou na reta final de perda de peso", disse.

A escalada de Martine Grael e Kahena Kunze puxou o investimento da confederação de vela. As mulheres têm 42% do orçamento total do ano –R$ 4,9 milhões

Para o gerente de performance esportiva do COB, Jorge Bichara, a ascensão feminina é mundial, não uma particularidade brasileira.

"Surgiram mais provas no feminino por política do Comitê Olímpico Internacional de equilibrar a quantidade de disputas", afirmou. "Com isso, em certos esportes, em um primeiro momento, o nível pode não ser tão alto. Mas, se as mulheres forem o carro-chefe do Brasil em 2016, eu ficarei muito feliz", afirmou.