CASO PC, 20 ANOS DO CRIME

Polêmico, Sanguinetti teve escolta da PF e desconfiou da própria mulher

ESTÊVÃO BERTONI
JUCA VARELLA
ENVIADOS ESPECIAIS A MACEIÓ (AL)

George Sanguinetti não bebia água nem aceitava cafezinhos fora de casa. Poderiam estar envenenados. Um dos mais conhecidos e polêmicos personagens ligados ao caso PC Farias, o professor de medicina legal e coronel reformado da PM vivia preocupado com a própria segurança.

Ao longo de oito anos, recebeu proteção de agentes da Polícia Federal por defender uma tese: na madrugada de 23 de junho de 1996, Suzana Marcolino não matou o namorado, Paulo César Farias, e depois se suicidou numa casa de praia de Maceió, como se divulgara. Eles foram executados por um profissional.

Por sua posição, pagou um preço. Recebia ligações dizendo que estava falando demais. Homens estacionavam na frente de sua casa para intimidá-lo. Ficou tão preocupado que chegou um dia a suspeitar da própria mulher. Certa noite, Sanguinetti acordou, e a mulher, também médica, estava andando no quarto com uma pistola na mão. "Eu tomei aquele susto: Ana, o que foi?" Ela lhe respondeu que ouvira um barulho estranho e, sem querer acordá-lo, foi ver o que era.

Juca Varella/Folhapress
O professor de medicina legal George Sanguinetti durante entrevista em Maceió
O professor de medicina legal George Sanguinetti durante entrevista em Maceió

"Eu passei uns três meses com a pulga atrás da orelha, trancando as armas com medo que ela também estivesse no esquema [para matá-lo]", conta. Mas era apenas paranoia. "Minha mulher fica até com raiva quando eu conto isso", diz ele, que chegou a ser diretor do IML de Maceió.

Na época do crime, virou uma espécie de rival do médico legista Fortunato Badan Palhares, que defendia a tese de homicídio seguido de suicídio. O laudo de Palhares, porém, acabou derrubado. Ele errara em dez centímetros a altura de Suzana, pois não a medira na exumação. O próprio legista escrevera que, se essa informação estivesse errada, todo o resto de seu trabalho estaria comprometido.

Sanguinetti criticou as conclusões de Palhares. Acabou processado pelo legista em mais de 20 varas criminais e cíveis de São Paulo. Mas não se arrepende. "Numa oitiva, um juiz me perguntou: Sanguinetti, valeu a pena? Isso estava determinado para acontecer. Ainda hoje, teimosamente, eu levo o caso."

Procurado, Palhares não respondeu aos pedidos de entrevista da reportagem.

Sanguinetti ainda defende ter uma das provas mais incisivas para comprovar o duplo homicídio. A foto do hioide (osso em forma de ferradura do pescoço) de Suzana. Na imagem, vê-se uma marca roxa no osso. Segundo ele, um indício de que foi fraturado no momento em que ela foi esganada por alguém.

"Está quebrado. Suzana foi executada, foi um homicídio. Mas todos se calaram", diz.

O promotor Marcus Mousinho, que atuou no júri dos quatro ex-seguranças de PC, em 2013, afirma que não há perícia apontando a fratura. "É que o cadáver foi muito mexido para perícia daqui, perícia dali. Nessas mexidas, pode ter acontecido algo."

Ele questiona o trabalho de Sanguinetti. "Primeiro, ele não é médico legista, é psiquiatra. Nunca fez uma necropsia. Não esteve no local do crime e tudo o que falou foi por fotografia. Ele deu um chute, que levou ele a ganhar um mandado de vereador depois", afirma Mousinho.

Advogado da família Farias e dos ex-seguranças, José Fragoso Cavalcanti também contesta a tese de Sanguinetti. "Fizeram um exame radiológico sobre isso e foi descartado. Ele quis ganhar os minutos de fama dele. Tanto é que ganhou. Sanguinetti não é para se levar a sério."

O professor, que depois trabalhou ainda no caso da menina Isabella Nardoni, atirada de uma janela em São Paulo, e do prefeito de Santo André, Celso Daniel, assassinado em 2002, defende seu trabalho. "Manterás pura a tua vida e tua arte." Sua tese, afinal, foi a que se firmou. O júri, em 2013, reconheceu o duplo homicídio. "Eu me orgulho. Todos em Alagoas se calaram, temeram."

Para ele, o tesoureiro de campanha de Fernando Collor, pivô dos escândalos de corrupção envolvendo o ex-presidente no início da década de 90, foi morto por temerem que falasse tudo o que sabia. "Não apuraram porque não era para apurar. Foi um crime político empresarial. Ele foi silenciado por isso."