Mistério até hoje e sem culpado
ESTÊVÃO BERTONI
JUCA VARELLA
ENVIADOS ESPECIAIS A MACEIÓ (AL)
Dois tiros sem nenhum autor. Dois mortos numa casa vigiada por quatro seguranças sem nenhum culpado.
O assassinato de Paulo César Cavalcante Farias e de Suzana Marcolino da Silva completa duas décadas na próxima quinta-feira (23) com a mesma pergunta sem resposta: "Quem matou PC Farias?".
Faz 20 anos que se busca uma solução para um crime que abalou a política brasileira nos anos 90 e que, desde o júri em 2013, foi reconhecido como duplo homicídio.
Até hoje, porém, não se sabe quem atirou no tesoureiro de campanha do ex-presidente Fernando Collor (1990-92). Nem se houve mandante para o assassinato da peça central do esquema de corrupção que levou ao primeiro impeachment do país, em 1992.
PC foi encontrado morto na manhã de 23 de junho de 1996 pelos seguranças. Vestindo pijama, estava na cama, ao lado da namorada, numa casa de praia em Guaxuma, litoral norte de Maceió. Cada um levara um tiro no peito.
A primeira hipótese dizia: Suzana, que comprara um revólver Rossi calibre.38, matou PC e depois se suicidou. O motivo: ele estaria determinado a terminar o namoro.
"Quando os corpos foram encontrados, de imediato as secretarias de Segurança e Justiça declararam que foi crime passional", lembra George Sanguinetti, professor de medicina legal, coronel reformado da PM e um dos primeiros a contestar o suicídio.
Na madrugada, pouco antes de morrer, Suzana deixou três recados na caixa postal do celular de um dentista em São Paulo, com quem se consultara na véspera. "Espero um dia rever você, nem que seja na eternidade", disse.
Os tiros não foram ouvidos, segundo os seguranças, pois era época de festas juninas.
Um laudo do legista Fortunato Badan Palhares confirmaria a tese de homicídio seguido de suicídio. Havia só um porém: ele deixara de medir Suzana na exumação. Dera a ela 1,67 m com base numa ficha, e a PC, 1,63 m.
ALTURA DE SUZANA
Em 1999, uma série de reportagens da Folha derrubou o laudo de Palhares. Fotografias provavam que Suzana era mais baixa que PC. Tinha cerca de 1,57 m. O próprio legista escrevera em artigo que, se a altura estivesse errada, todo seu laudo também estaria.
A diferença na altura de Suzana, associada à trajetória do tiro contra ela, dificultava a tese inicial do suicídio.
Exames posteriores mostraram que os elementos químicos da bala não estavam todos na mão de Suzana e os que foram achados poderiam ser do fósforo que ela usava para fumar. Não poderia, portanto, ter efetuado o disparo.
Outra versão que se mostrou falsa foi a de que os seguranças arrombaram a janela para entrar no quarto.
"Eu sempre disse: passional foi o inquérito. As mortes foram duplo homicídio", diz Sanguinetti. Ele defende que uma fratura num osso do pescoço de Suzana comprova que ela foi esganada e morta.
Para Luiz Vasconcelos, promotor que trabalhou no caso a partir de 1998, as provas são incontestáveis. "Não é que eu tenha 99% de certeza, tenho 100% de certeza de que Suzana não matou Paulo César nem se suicidou."
Descartada a tese inicial de crime passional, os quatro seguranças de PC que trabalhavam no local das mortes foram a júri popular em 2013.
Os jurados, apesar de terem entendido que uma terceira pessoa matou o casal e que os seguranças poderiam ter evitado as mortes, absolveram os réus por 4 votos a 3.
Juca Varella-24.jun.1996/Folhapress | ||
Corpo de PC Farias é examinado por funcionário no Instituto Médico Legal de Maceió |
O promotor que atuou no júri, Marcus Mousinho pediu a anulação do julgamento. Alega que a decisão foi contrária às provas dos autos e que uma jurada soube, ainda confinada, que o marido havia sido seguido por um carro e sofrido ameaça. O recurso não foi analisado até hoje.
A tese do duplo homicídio, apesar do veredito de um júri, peca por não ter chegado aos autores. Para Mousinho, isso se deve a falhas da polícia na investigação, como não preservar a cena do crime -mais de cem pessoas estiveram no local no dia- e destruição de provas -o colchão e o lençol onde o casal foi assassinado foram queimados.
AUGUSTO FARIAS
A suspeita já recaiu sobre Augusto Farias, ex-deputado federal e irmão de PC. Ele esteve na casa horas antes do assassinato e chegou a ser indiciado sob suspeita de coautoria, mas o inquérito foi arquivado em 2002, no Supremo. Augusto sempre negou envolvimento nas mortes.
Os Farias ainda defendem que PC foi morto por Suzana. "A tese da acusação não tem começo, meio e fim", diz José Fragoso Cavalcanti, advogado da família e dos ex-seguranças, cujas defesas são pagas por Augusto. Um deles ainda trabalha para os Farias.
Passados 20 anos de tantas discussões, nem Sanguinetti nem os promotores acreditam que os responsáveis sejam identificados. Os únicos que ainda têm essa esperança são os irmãos de Suzana. "O Estado brasileiro deve muito à minha família. Ficou uma coisa que ninguém quis resolver. Por que não? No Brasil, quando a polícia e a Justiça querem, se resolve", diz a jornalista Ana Luiza Marcolino, 56, irmã de Suzana.