CASO PC, 20 ANOS DO CRIME

Irmão de PC Farias foi quem mais sofreu, diz advogado da família

ESTÊVÃO BERTONI
JUCA VARELLA
ENVIADOS ESPECIAIS A MACEIÓ (AL)

Ele foi o primeiro suspeito. E chegou a ser indiciado por coautoria na morte do irmão. "Ao meu ver, ele é a pessoa que mais sofreu com todo esse processo", diz o advogado José Fragoso Cavalcanti, sobre seu cliente Augusto Farias, irmão de Paulo César Farias.

Horas antes do crime, numa casa de praia de Guaxuma, no litoral norte de Maceió, Augusto esteve no local. Bebeu e comeu com o irmão. Foi embora tarde da noite, acompanhado da então namorada, segundo os depoimentos prestados à época.

Naquela madrugada de 23 de junho de 1996, o tesoureiro de campanha de Collor foi encontrado morto com um tiro no peito, na cama. Vestia pijama. Ao lado dele, também morta com um disparo no peito, estava Suzana Marcolino. A arma do crime, um revólver calibre.38, ficou caída entre os dois corpos.

"Muita gente pensa que ele [Augusto] me contratou para fazer a defesa [dos seguranças], mas não foi nada disso. Ele me chamou para que eu acompanhasse os depoimentos", lembra Fragoso. O advogado diz ter se convencido da tese de homicídio seguido de suicídio: Suzana primeiro matara o namorado e depois atirara no próprio peito.

"Os seguranças eram pessoas da estrita confiança do Paulo César. Aí, de repente, ia jogar os caras às feras? Porque o que queriam era um duplo homicídio", afirma. Segundo ele, Augusto não teve dúvidas do que ocorrera. "Ele me disse: "Fragoso, pelo que eu vi, pelo o que a gente sabe do relacionamento do Paulo César com a Suzana, pelo o que a gente sabe de quem era a Suzana, eu não tenho dúvida de que houve homicídio seguido de suicídio. Ela matou ele e se suicidou."

Juca Varella /Folhapress
O advogado dos seguranças de PC e da família Farias, José Fragoso Cavalcanti, durante entrevista em Maceió
O advogado dos seguranças de PC e da família Farias, José Fragoso Cavalcanti, durante entrevista em Maceió

Para o advogado, a tese da Promotoria não tem início, meio e fim, pois, embora defenda o duplo homicídio, não aponta o autor do crime nem diz se houve mandante. "Quem atirou? Ninguém sabe. Quem mandou? Ninguém sabe. Por que fez? Ninguém sabe. Quer dizer. Os caras [seguranças] foram processados porque, supostamente, pela cabeça do promotor, entraram pessoas ali, os caras deixaram entrar pessoas ali para matar o Paulo César. Ele não diz quem foi, como entraram."

O caso seria simples, afirma Fragoso, não fosse PC Farias a figura polêmica que era. O empresário fora o pivô dos esquemas de corrupção que levaram ao impeachment de Fernando Collor, em 1992. "Se não fosse isso, o fato tinha se resolvido no primeiro dia."

Leia abaixo a íntegra da entrevista com o advogado.

Folha - Desde quando o senhor conhece a família?
José Fragoso Cavalcanti - De muito tempo. Na realidade, a minha amizade com a família Farias vem através de Eleusa, que é a irmã mais nova deles. Ela era como se fosse irmã da minha ex-mulher. Tanto é que ela é madrinha do meu filho mais velho. Elas não são irmãs, mas são muito amigas desde a infância. Eu conheço a família desde muito antes. Quando ocorreu o fato [morte de PC], o Augusto [Farias, irmão de PC] me pediu simplesmente para acompanhar os seguranças. Muita gente pensa que ele me contratou para fazer a defesa, mas não foi nada disso. Ele me chamou para que eu acompanhasse os depoimentos dos seguranças. E o que ele me disse foi: "Fragoso, pelo que eu vi, pelo o que a gente sabe do relacionamento do Paulo César com a Suzana, pelo o que a gente sabe de quem era a Suzana, eu não tenho dúvida de que houve homicídio seguido de suicídio. Ela matou ele e se suicidou. Eu não vou entregar esses caras às feras, eram pessoas conhecidas de todo mundo, eu quero que você vá lá, eu não quero que você faça a defesa de ninguém, eu quero que você vá lá veja o que aconteceu e depois a gente vê o que vai fazer". Fui lá e eu me convenci de que tinha sido homicídio seguido de suicídio. Na realidade, desde as primeiras investigações. Todo o quadro era nesse sentido. Eu voltei para o Augusto e disse: "Pelo menos a princípio, o que está aparecendo é que ela matou ele e se suicidou. Não vejo uma outra forma de ter sido esse crime". Resultado, houve a conclusão do primeiro inquérito, que foi homicídio seguido de suicídio, houve depois um segundo inquérito, que pouca gente sabe, e outro delegado entrou para reinvestigar os fatos. Ele concluiu também que era homicídio seguido de suicídio. Isso parou em 1997, 1998. Quando foi de 1999 para 2000, reabriu o caso com uma nova investigação dizendo que tinha sido duplo homicídio. Aí eu disse: a defesa dos caras sou eu que faço porque eu conheço esse processo como a palma da minha mão, não vou deixar os caras na mão. Mas a história é essa. Não houve, na realidade, uma contratação. Porque na época, se eu dissesse que foi assim, ninguém ia acreditar.

Eles chegaram a ter outro advogado nesse processo?
Não, sempre fui eu.

O laudo do Badan caiu em 1999 porque a altura da Suzana estava errada e, depois de novas investigações, a versão que prevaleceu foi a de duplo homicídio. Ainda hoje, 20 anos depois, a família Farias ainda acredita na versão de homicídio seguido de suicídio?
Sem sombra de dúvidas. Todos têm convicção, assim como eu tenho, assim como os seguranças que estavam lá têm, ninguém tem dúvida disso. Sobre a questão da altura, eu vou te dizer: do mesmo jeito que não tinha a altura da Suzana, a altura do PC estava errada. A altura do PC estava no laudo registrada com 1,63 m. Nós conseguimos um documento, está inclusive nos autos do processo, que foi a ficha de alistamento militar dele. E, ali, não tem dúvida de que a pessoa é medida. A altura dele na ficha era de 1,68 m. Não era 1,63 m como foram as referências feitas para tirar a altura da Suzana através das fotos. A altura da Suzana é absolutamente irrelevante para esse caso.

Mas a altura derrubou o laudo do Badan.
Não. O que importaria, se fôssemos fazer uma análise matemática da situação, era o comprimento do tronco dela. Há pessoas que têm 1,70 m e que tem um tronco menor do que uma pessoa que tem 1,65 m, isso eu mostrei no júri através de um estudo feito inclusive pela segunda equipe de peritos que veio a Maceió. A altura dela era irrelevante. Qualquer diferença que ela tivesse, por exemplo, se a posição dela tivesse sido ereta ou se fosse um pouco mais para a frente, isso ia modificar completamente. Pegou-se nessa altura como sendo uma coisa fundamental, que ia resolver tudo porque tem uma entrevista do [legista] Badan Palhares em que ele diz isso, mas ele disse num outro contexto. Ele disse que, se realmente a altura estivesse diferente, a dinâmica poderia ter sido diferente, não é? Na realidade, a altura é absolutamente irrelevante. O que tem que se analisar num processo? O conjunto probatório todo. E esse conjunto probatório tem início, meio e fim. Ele mostra que a Suzana comprou a arma. Como é que se faz a prova da compra da arma? A Suzana assinou o cheque, a Zélia, prima dela, preencheu o cheque. Se fez o exame da caligrafia da Zélia. A Suzana fez tiro ao alvo na propriedade vizinha, pegaram esses projéteis, comparou-se com esse revólver, e viram que ele saiu desse revólver. Ela leva esse revólver para a cena do crime. São dois disparos: um nela e um no PC. Os disparos saíram dessa arma. Quer dizer: a prova de que ela comprou a arma e levou para a cena do crime é completa. A prova de que Paulo César estava saindo do relacionamento com ela também é completa. Ele estava com outro relacionamento já entabulado com a Cláudia Dantas. A prova de que a Suzana era uma pessoa, do ponto de vista de perturbações mentais, é também evidente. Há um perfil psicológico traçado dela pós-morte, no qual foram ouvidas pessoas que se relacionavam com Suzana: família, amigos, namorados, enfim, completo. E deu que ela era uma pessoa que tinha tendência à prática do suicídio. Disseram que não tinha pólvora na mão da Suzana. Isso é uma mentira deslavada. A mídia passou a dizer isso insistentemente e isso parece que virou verdade. Não era. Vou te explicar o que aconteceu: na época, fazia-se o teste com o reagente de Griess. Era o único que tinha aqui. Realmente esse reagente não é o melhor método. É um método que é falho e pode dar um falso positivo. Mas só tinha aquele. Então, foi feito na mão da Suzana o teste e se observou que ela tinha pólvora em 40 vezes mais que uma mão normal teria. Fizeram esse mesmo teste no Paulo César. Não tinha pólvora na mão do Paulo César. Aí disseram: não, esse teste não vale porque atividades como mecânico, borracheiro, eletricista, bombeiro de posto de gasolina podem deixar esse resíduo na mão. Suzana não era nada disso. Ela tinha vindo do cabeleireiro.

A Promotoria fala que ela fumava. Seria do fósforo que ela usava.
Isso. Mas só que também Paulo César fumava. Nos criados-mudos tanto de Paulo César quanto de Suzana têm cinzas. Esse falso positivo se dirigiu especificamente para Suzana? Por que as mãos de Paulo César não têm pólvora? Eu concordo com esse argumento de que realmente o exame é hoje considerado frágil, mas na época não era. Ele só deixou de ser utilizado em medicina legal depois da morte de PC e tem lugar que até hoje faz porque não tem outro. O que aconteceu? Quando Badan Palhares veio para cá com a equipe dele, tirou as luvas epidérmicas de Suzana, e nas luvas epidérmicas dela foram constatados bário e chumbo. Não foi constatada a presença de antimônio. Para você ter a certeza científica de que ela deu o disparo, teria que ter o bário, o chumbo e o antimônio. Só que, primeiro, o antimônio, a composição do projétil é de 2,5%. Segundo ponto, e esse é fundamental: quando a equipe do Badan veio aqui, a Suzana já tinha sido inumada [enterrada], já tinha passado pelo necrotério, o corpo já tinha sido lavado. Você sabe como se lava um cadáver no necrotério? É com água, detergente e esponja. Os caras passam para limpar mesmo tudo. Ou seja: essas partículas devem ter sido arrastadas. Ele veio para cá sete dias depois. Foi feito um outro movimento no corpo dela, para desenterrar, para fazer a exumação do cadáver. Então, era evidente que não iria encontrar mais todos os elementos.

E a questão dos barulhos dos tiros que os seguranças teriam de ter ouvido?
Há uma frase na sentença de pronúncia do juiz Alberto Jorge, que ele diz: ficou cientificamente comprovado que os tiros eram audíveis. Vou lhe dizer qual a ciência que tem nisso. Você sabe como foi feito esse teste? Foi feito com o Badan. Ele chegou, fechou toda a casa, como estava no dia do crime, e colocou duas pessoas numa distância de 80 metros, que era a distância em que os seguranças estavam. Só que todas as pessoas estavam ali, a imprensa toda, todo mundo sabia que iam sair os disparos. O Badan deu dois disparos e soltou um livro. Teve gente que ouviu um disparo, teve gente que ouviu dois disparos e teve gente que ouviu três disparos. Por que ouviram isso? Porque todos estavam direcionados a ouvir, porque ia sair o tiro, todo mundo sabia que ia sair o tiro dali. Coisa diferente era do dia do crime, o dia do fato. Os caras estavam ali, Suzana com o namorado, Paulo César, na intimidade, o que que eles podiam imaginar? O que eles poderiam estar ali observando? Uma possível invasão de gente de fora para dentro, se alguém fosse entrar na casa. Não estavam nem aí. E poderiam ter ouvido esses tiros. Eu vou explicar o porquê. Foi dia 23 de junho, um sábado para um domingo, que é a antevéspera de São João, mas, na realidade, como era sábado para domingo, era o dia em que estavam comemorando. Na casa vizinha, hoje é um terreno, mas era uma casa na época. Estava tendo uma festa junina. Tinha fogos estourando o tempo todo. Ora, esses caras ouviram as explosões de fogos a noite toda. Eles podem até ter ouvido os disparos. O problema é transformar na cabeça de quem está ali que aquilo era a Suzana atirando no Paulo César e depois atirando nela mesma.

A Promotoria diz que um dos disparos aconteceu após as 5h e que, depois desse horário, ninguém estava mais estourando fogos.
Não se tem uma hora exata [das mortes]. Ninguém tem.

A Suzana deixa uma gravação no celular do dentista após as 5h.
O último tiro dela sim, mas o tiro do Paulo César ninguém sabe. Mesmo que esses caras tivessem ouvido, eles podem não ter associado isso a uma arma de fogo. E outra coisa: são questões muito menores se você analisar com o conjunto. Realmente, às 5h podia não ter fogos, mas podia ter também alguém terminando a festa. A ligação da Suzana, a primeira é uma hora e três minutos antes da última. Na primeira ligação, quando ela está falando com o [dentista Fernando] Colleoni, ela diz que tinha sido muito bom conhecer ele, tinha sido uma pessoa maravilhosa, que ela nunca imaginou que ia encontrar uma pessoa assim. E tem uma voz, que é uma voz sussurrada ao fundo, que ficou impossível de dizer de quem era. Mas, ao que tudo indica, o que todos os elementos indicam: era a voz de Paulo César. A Globo até chegou dizer que era: "Tamos esperando". O Molina descartou e disse que a frase mais provável era: "Que cê tá fazendo, se arruma". Uma hora e três minutos depois, ela faz dois telefonemas seguidos. No primeiro, ela utiliza os 30 segundos da caixa postal. No segundo, ela utiliza os 30 segundos da caixa postal. Ela não é interrompida por ninguém em nenhum momento. Imagine se ela estivesse sob a mira de um revólver ou qualquer coisa. Ela sabia que ia morrer. Então, ora, se fosse isso, ela teve um minuto livre para falar. Todo esse plano mirabolante que tivesse sido feito se acabava na hora que ela dissesse: estão me matando, se fosse o caso. O que ela diz ali? É o conteúdo, especialmente da última gravação, que é importante. Ele diz: "Eu nunca pensei que ia encontrar uma pessoa tão humana, tão profunda como você. Eu tenho certeza que vou me encontrar com você em algum lugar do outro mundo, nem que seja na eternidade". Quando é que uma pessoa utiliza a palavra eternidade? É muito forte. Eternidade é quando você está em um momento limite. Mais uma prova de que foi suicídio. Era exatamente isso. Eu não tenho dúvida nenhuma.

E a questão da janela. Por que não entraram pela porta?
Teriam que arrombar duas portas. Uma porta que era do corredor e outra porta que era a do quarto. Quem está do lado de fora teria que derrubar as duas. Tentaram entrar por lá, mas viram que era muito melhor pela janela. Muita gente diz: a porta do quarto estava aberta. E quem é que ia saber que a porta do quarto estava aberta se existia antes uma porta no corredor que dá acesso ao quarto e nesse quarto ia ter uma outra porta? Na realidade, eles teriam que abrir, que arrombar duas portas. Eu acredito que a escolha foi pela janela porque era uma só.

Em 2013, os jurados reconheceram que foi duplo homicídio, mas, ao mesmo tempo, absolveram os quatro ex-seguranças.
Em verdade, não é bem assim. Talvez tenha ficado complicado para os jurados entenderam a questão da tese do Ministério Público. Porque a tese era muito difícil e talvez tenha tido, em alguns casos. No caso do Reinaldo, reconheceram que o Reinaldo [Correia de Lima Filho, ex-segurança] não participou, porque não tinha obrigação. A pergunta era assim: se ele, na condição de segurança, tinha o dever de agir. Desde que soubessem o que estava acontecendo. O que pode ter ocorrido é que na hora do jurado responder sobre isso, ele não tenha entendido bem a pergunta. Mas, quando perguntaram, o jurado absolve o acusado? Todos responderam positivamente [o placar pela absolvição, na verdade, foi de quatro votos a três].

Segundo o promotor que atuou no júri, Marcus Mousinho, uma das juradas, durante o julgamento, se comunicou com o marido e soube que ele foi ameaçado.
Não tenho ideia. Se ele disse que isso aconteceu, deveria não feito o que fez. Ele pegou esses depoimentos sozinho. Deveria ter feito uma justificação criminal, chamado a defesa junto com o juiz posteriormente para transformar isso numa prova válida. Essa prova não pode ser válida de forma alguma. Não tenho ideia se aconteceu. Tenho certeza de que não houve perseguição de ninguém. O que pode ter acontecido é uma mera coincidência de alguém que está lá. E a mulher está num júri que teve toda essa repercussão.

Mas o simples fato de ela passar a ideia aos outros jurados de que existiu a perseguição.
Eu não sei se ela passou. Não tenho a certeza disso. Eu não a ouvi. Eu não estava presente, o juiz não estava presente, a gente só tem a palavra da acusação. Mesmo que tenha um depoimento deles, não é válido, porque não foi colhido pelo crivo do contraditório. Isso é uma das questões que a gente leva nas contrarrazões do recurso. Outra coisa: no dia do fato, entre as 20h da noite e às 8h da manhã, nessa casa tinham oito pessoas. Dois cabos da Polícia Militar, dois soldados, um caseiro, uma caseira, um garçom e um vigia. Essas pessoas são pessoas de nível de instrução muito baixo. Essas pessoas foram submetidas a três investigações, foram ouvidas na CPI do Narcotráfico, foram bombardeadas pela mídia. Ligava um repórter toda hora para querer saber alguma coisa. Essas pessoas mantêm até hoje a mesma versão sobre os fatos. Não há um discrepância. Um cara chegou para mim uma vez e disse: "Mas Fragoso, você poderia ter instruído essas pessoas para dizerem isso". Eu disse: "Olhe, eu precisaria ser um mágico para ter dito isso a elas e com, esse bombardeio todo, não haver uma contradição entre eles". Eles mantêm a mesma versão, os mesmos fatos, se você falar com eles hoje eles vão dizer a mesma coisa. Eles têm até hoje o mesmo padrão de vida. Não teve ninguém que ficou rico. Se fosse para encobrir um negócio desse, era para poder ganhar dinheiro, né? Está todo mundo do mesmo jeito, na mesma situação que sempre esteve.

A Promotoria diz que o esquecimento interfere no julgamento. O que o senhor acha?
O que a Promotoria quer é que as pessoas tenham a versão da mídia, não a versão dos fatos, dos autos. Na realidade não vejo problema nisso. Eu vejo problema num julgador jovem em qualquer situação, seja um juiz, seja um jurado, não em razão desse fato, de não conhecer o que aconteceu. É melhor que não tenha conhecido, porque tem que se julgar com base nos fatos. Agora, o jurado novo é uma outra situação. A situação de julgar às vezes você traz uma carga muito grande. Alguns se sentem o Super-homem, que vai julgar um caso muito importante. Isso pode ocorrer, mas sob esse aspecto da Promotoria, não. O que a Promotoria está achando ruim é que as pessoas não estava contaminadas pela versão da mídia, e a versão da mídia não pode ser a versão verdadeira. A verdadeira é aquela que está nos autos, que está nas provas.

Os seguranças trabalham ainda para a família Farias?
Hoje trabalha para a família Farias apenas o Reinaldo. Um está aposentado, o Geraldo [José Geraldo da Silva]. Está com problema muito sério de diabetes. O Adeildo [Costa dos Santos] não trabalha há muito tempo. O Josemar [Faustino dos Santos], coitado. Ele foi de manhã render os outros dois da noite pela primeira vez. Ninguém sabe disso. Primeira vez foi naquela manhã. Chegou às 8h da manhã. Ficou ele, Reinaldo, e saíram o Geraldo e o Adeildo, que tinham passado a noite. Sabe por que ele foi para lá? Na realidade, ele fazia a segurança da Ingrid [Farias, filha de PC], só que um segurança do Paulo César estava de férias, alguma coisa desse tipo. Aí, ele foi trocado para lá. Mas só quem trabalha é o Reinaldo, que trabalha para o Augusto.

Como segurança?
Não. Ele é policial militar, não sei se já foi aposentado, reformado. Mas ele faz um outro tipo de trabalho numa empresa ligada à família.

O senhor sabe o que os filhos do Paulo César pensam do caso?
Eles não têm dúvida da versão do homicídio seguido de suicídio. Eles confiam plenamente na família, no que a gente falou para eles. Essa conversa minha com eles sempre foi muito aberta. Eu até disse a eles: se eu não tivesse a certeza que eu tenho, eu não ia defender. Não ia fazer essa defesa, porque eu conheço a família toda. Eu era o primeiro que tinha que ter a obrigação de chegar para o Augusto e dizer: Augusto, o que aconteceu foi diferente, foi isso.

Não pode gerar uma estranheza nas pessoas o fato de ele bancar a defesa dos seguranças, que são os principais suspeitos?
Como eu te disse. No início, ele me chamou para que eu acompanhasse os seguranças e depois dissesse a ele o que eu achava. Ele tinha uma opinião própria pelo desenrolar dos fatos, porque ele tinha conhecimento do que estava acontecendo, da Cláudia Dantas, do temperamento da Suzana, das coisas que o Paulo César dizia para ele, de tudo.

Ele nunca teve dúvidas?
Nunca.

Nem no começo?
Nunca. Desde o início a situação, era essa.

Não é um pouco estranho ele não ter tido uma dúvida inicial?
A cena do crime era muito forte. Era uma cena típica de homicídio seguido de suicídio. Ele chegou logo no início. Ele esteve na cena do crime, então ele não teve dúvidas. Se apresentassem a ele provas no sentido contrário, era evidente que ele iria mudar de ideia. Só que não tinha. Os seguranças eram pessoas da estrita confiança do Paulo César. Aí, de repente, ia jogar os caras às feras? Porque o que queriam era um duplo homicídio. Além disso, já tinha a própria versão da polícia, inicial, dizendo que tinha sido homicídio seguido de suicídio. Ele chegou lá, viu a cena típica de homicídio seguido de suicídio. Aí fez esse levantamento, me chama, e me diz: se for coisa diferente, eu quero saber. Eu estou convencido disso. Fui lá, vi tudo, teve dias que a pressão era tão grande que eu peguei esse processo, 18 volumes, botei em cima da mesa, e disse: eu vou olhar para ver se enxergo alguma coisa aqui. E quanto mais eu olhava mais eu me convencia da tese. Se o Paulo César não fosse a pessoa que era, esse fato tinha sido resolvido no primeiro dia. Só deu esse questão toda porque o Paulo César ia depor numa CPI e era o homem de confiança do Collor, o tesoureiro da campanha do Collor, e teve aquele escândalo todo do impeachment, toda aquela situação. Se não fosse isso, o fato tinha se resolvido no primeiro dia. Se alguém quisesse matar o Paulo César, jamais ia fazer numa situação dessa. Iam fazer se ele estivesse no meio da rua. Aqui em Alagoas, como é que se faz um crime? É assim? Aqui em Alagoas não é assim não. Não é no Brasil. O problema é que as pessoas raciocinam com as novelas, interagem com romances policiais, essa situação toda. Mas o crime no Brasil não se dá dessa forma de alguém simular uma situação. Isso não se dá. Se dá no meio da rua. O cara contrata o pistoleiro, o pistoleiro vai lá e mata. Jamais iam fazer numa situação dessa, dentro da casa do cara. Se ele estivesse num hotel, num motel. Dentro da casa dele, com oito pessoas envolvidas, oito pessoas de nível muito baixo, mantendo até hoje esses pontos, é impossível.

A polícia deixou muita gente entrar no quarto. O senhor vê falha na atuação da polícia?
A queima do colchão todo mundo pensa que foi no dia do crime, no dia seguinte ao crime, e não foi. O fato ocorreu do sábado para o domingo. Seu Leonino [Tenório de Carvalho], que era o caseiro, entrou na casa na terça-feira à tarde e estava uma fedentina enorme. Porque, embora não tenha saído sangue do Paulo César, na hora que tiraram o corpo do Paulo César o sangue jorrou todo e fez uma poça no colchão. Aquele colchão não servia mais para nada do ponto de vista de objeto pericial. Ele perguntou o que fazer. Ligaram para o delegado Cícero Torres. O delegado disse: tem que falar com o pessoal da perícia. Falou com Nivaldo Cantuária, que era o perito. Ele disse: eu não preciso mais do colchão porque eu tenho toda a cena do crime fotografada. E o que acontece quando acontece um crime? Se fotografa toda a cena do crime. Porque, na hora que você tira os corpos dali, a cena do crime está completamente descaracterizada. Tem mais de 50 fotos desse colchão. Inclusive, essa com o colchão e uma poça de sangue no meio do colchão. Tem todas essas fotos lá. O Nivaldo disse que não precisava, o Cícero Torres disse que não precisava. O seu Leonino queimou por modo próprio. Disseram que tinha sido o Augusto, não foi nada disso. Ele arrastou o colchão, foi para a beira da praia e tocou fogo. Ele diz isso até hoje. Mas você fez isso por quê? Porque me disseram que não precisava mais. Essa foi a história. Não foi no dia seguinte. Foi na terça-feira. Foi com a autorização da perícia, os peritos que foram lá disseram que autorizaram, que não precisava mais, que podia fazer o que quisesse porque não era mais objeto de perícia.

Mas o senhor não vê nenhuma falha?
Nenhuma porque a cena do crime está totalmente preservada com as fotos. Tem todas as fotos, aquele colchão não servia mais para ser objeto pericial.

A posição da arma tem lógica?
Tem, a questão é que o [médico] Daniel Muñoz fez um teste onde ele simula o suicídio e viu que em dez vezes, oito caíram numa posição diferente. Isso é totalmente aleatório. Uma coisa é o geral e uma coisa o específico. O que fez a segunda equipe de peritos? Na maioria dos casos de homicídio seguido de suicídio, a arma cai numa posição xis. O que a gente tem que ver é o que aconteceu de concreto. A gente tem que partir do concreto para poder estudar. Não do abstrato para o concreto. A altura da Suzana. Tem uma tabela que eu mostrei com uma pessoa com 1,72 m que tinha um tronco menor do que uma pessoa com 1,67 m, que era a altura da Suzana [no laudo de Badan Palhares]. Essa questão da altura da Suzana me dá raiva, eu sei que foi a Folha [que revelou estar errada], mas eu vou dizer uma coisa: quando a Suzana tinha 18 anos de idade, ela foi tirar a carteira de identidade. No prontuário dela, tem lá: altura: 1,67 m. Está no prontuário da Suzana. O que a irmã dela me disse: não, está errado. Porque no prontuário realmente não se mede, a altura é declarada. Ela dizia que tinha mais porque ela queria ser modelo. Alguém vai contratar a modelo sem ver a modelo?

Mas nas fotos ela sempre aparece na ponta dos pés ou com salto alto. Ela tinha um problema com a altura.
Ela aparece com sapato. Por que ia constar nesse prontuário dela, quando ela tinha 18 anos, quando ela nem conhecia Paulo César, dez anos antes do fato, a altura dela é 1,67 m. A questão das fotos: isso vai depender do ângulo que está se tirando. A referência que foi tomada foi a altura de Paulo César como 1,63 m e ele não tinha 1,63 m. Ele tinha 1,68 m. Ela podia não ter 1,67 m, ela podia ter 1,66 m, eu conheci a Suzana, 1,57 m ela não tinha nunca. Isso eu lhe garanto. Ela não era baixinha.

O [professor de medicina legal] George Sanguinetti afirma que uma fratura num osso do pescoço de Suzana indica que ela foi esganada.
Isso foi descartado por todas as perícias. Fizeram exame radiológico sobre isso aí e foi descartado. O Sanguinetti utilizou isso, levou para o programa do Ratinho. Essa história, eu digo para você com certeza. Se você pegar os autos, acho que foi a segunda perícia que descarta. Tem todas as fotos do pescoço da Suzana mostrando que não tem marca de nada.

O irmão de Suzana, Jerônimo, diz que viu no IML o lábio dela cortado internamente.
Não tem nada. Você pode pegar as fotos. Se você pegar os autos originais. Você vai ver várias fotos dela. Tem fotos do pescoço dela mostrando limpo, limpo, limpo. Não tem nada. Tanto é que a Promotoria nunca utilizou isso. O Sanguinetti. Tem um parecer da promotora Faílde Mendonça desqualificando por completo o trabalho dele. Por que que ninguém viu isso? Porque só o Sanguinetti viu. Ela própria diz isso. No final ela disse que o trabalho do Sanguinetti deveria ser analisado do ponto de vista ético depois das investigações. E o que o Sanguinetti quis foi aparecer no caso, não tenho dúvida nenhuma. Ele quis ganhar os minutos de fama dele. Tanto é que ganhou, foi chamado até para aquele caso dos Nardoni. Sanguinetti não é para se levar a sério.

O que aconteceu com o inquérito do Augusto.
Na realidade, ele nunca foi processado, mas, como surgiu toda aquela celeuma, o juiz mandou o processo para o Supremo [Augusto era deputado federal na época], e o Supremo complementou as investigações lá. Ao final, o vice-procurador geral da República, Haroldo de Nóbrega, parece-me que o parecer é dele, foi somente aprovado pelo [Geraldo] Brindeiro, disse que estava pedindo o arquivamento do caso porque estava convicto de que Suzana Marcolino matou Paulo César e em seguida se suicidou. Está dito isso no parecer do Haroldo da Nóbrega.

Pergunta simples: o Ministério Público disse que houve um duplo homicídio. Quem atirou? Ninguém sabe. Quem mandou? Ninguém sabe. Por que fez? Ninguém sabe. Quer dizer. Os caras foram processados porque supostamente, pela cabeça do promotor, entraram pessoas ali, os caras deixaram entrar pessoas ali para matar o Paulo César. Ele não diz quem foi, como entraram. A casa estava toda fechada. Tem um delegado chamado Pedro Berwanger, chamado de "o cão farejador". Ele foi lá, fez todo o levantamento do local. Nunca esse cara deu o relatório dele. A gente pediu diligências. Se a conclusão dele fosse outra, tenho certeza de que tinha dado. Em todo caso que você for apurar vai ter um detalhe que foge do normal. Isso é natural. Você tem uma floresta, de um tipo só de árvore. Se você tem uma árvore diferente no meio, isso descaracteriza a floresta? Claro que não.

A Ana Luiza Marcolino diz que ficou estigmatizada como "a irmã de Suzana". O Augusto também ficou marcado?
Ao meu ver, ele é a pessoa que mais sofreu com todo esse processo. A relação de irmandade entre Augusto e Paulo César era muito mais do que irmão. Ele era afilhado de Paulo César, é o padrinho do filho do Paulo César. O nome do filho do Paulo César ia ser Augusto César Cavalcante Farias Sobrinho. Elma [Farias, ex-mulher de PC] tinha um problema com Augusto porque Augusto levava muito Paulo César para a farra, essas coisas todas, e ela não queria. Paulo César, para evitar esse problema, botou o nome do menino de Paulo Augusto. O Paulo César chamava o Augusto de porquinho. A referência do Augusto com o Paulo César era muito maior do que a do Augusto com o próprio pai dele. E o cara ser acusado da morte do irmão numa circunstância dessa é terrível. Ele passou praticamente dois anos sem sair de casa. Você passar num lugar, vê uma pessoa olhando para você. Você já fica imaginando o que a pessoa está dizendo: "O cara matou o irmão".

E os filhos?
Para os filhos foi difícil até para ter uma vida profissional. A Ingrid teve uma vida profissional, ela trabalhava com festas naquela casa que tinha. Hoje, eu não sei o que está fazendo. O Paulo [Augusto] acredito que nunca teve.