ANDRÉ ZARA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
No princípio da internet havia o texto. Mesmo antes do surgimento das plataformas específicas de blogs, usuários já usavam a rede mundial para, como define o dicionário "Cambridge", criar um registro regular de atividades ou opiniões que se coloca on-line para outras pessoas lerem.
No Brasil, muitos reconhecem que o paulista Nemo Nox, que não revela a idade nem seu nome de registro, foi o primeiro a criar um blog em português, em 1998.
O Diário da Megalópole é um marco e começou após ele se mudar para São Paulo. No site, Nemo registrava ideias, experiências e também o utilizava para iniciar conversas on-line.
"Eu não blogava sobre a minha vida privada. Meu assunto era principalmente atividades culturais: livros, filmes, música, etc. Escrevia para compartilhar, o que sempre pareceu uma coisa natural", afirma.
Mas as coisas não eram tão simples, tecnologicamente falando. "O blog ainda não existia como ferramenta, foi só um formato de publicação que me pareceu adequado para o conteúdo que eu queria produzir. Na época eu nem sabia que aquilo se chamava blog. Ferramentas como o LiveJournal e o Blogger só foram aparecer mais de um ano depois."
Como não havia ferramenta própria, ele precisa criar cada página em HTML em um editor de texto e publicar por FTP. Apesar de o blog ter durado apenas alguns meses, o contato com o público foi positivo.
"Frequentemente aparecia alguém concordando ou discordando veementemente de alguma coisa que eu tinha publicado. Vez por outra isso gerava boas conversas. Tenho amizade com algumas dessas pessoas até hoje", conta.
Após a experiência, Nemo investiu no blog Por um Punhado de Pixels, em 2001, buscando um formato mais ágil, tanto em termos de publicação (primeiro via Blogger, depois via Movable Type) como de conteúdo (posts mais curtos e coloquiais).
"A experiência foi excelente: aprendi muito, conheci gente e até ganhei uns prêmios."
O BLOG COMO NEGÓCIO
Apesar do sucesso, Nemo afirma que nunca tentou ganhar dinheiro com o blog. Diferente foi o caso de Edney Souza, 39 anos, conhecido como InterNey, um dos primeiros brasileiros a ganhar a vida como blogueiro.
Em 1997, então trabalhando com desenvolvimento de softwares, ele começou a experimentar criando sites. "Eu sempre fui o amigo nerd que ajudava a solucionar dúvidas de tecnologia. Por isso, pensei em dividir meus conhecimentos na internet", conta.
Em 2000, Souza migrou para uma ferramenta de blog na qual começou a falar de tecnologia e a responder perguntas de internautas, que muitas vezes tinham que recorrer a fóruns para resolver seus problemas.
Com o boca a boca e a ajuda do Google (onde as pessoas começaram a fazer perguntas e a achar o blog como referência), ele chegou ao ano de 2002 com 1 milhão de acessos. Mas o sucesso trouxe um preço: pelo grande volume, o servidor começou a cobrar.
Mesmo trocando por um estrangeiro, as contas continuavam aparecendo cada vez mais altas. "Para pagar resolvi procurar alternativas e descobri os banners e que o MercadoLivre remunerava se direcionasse os acessos para o site deles", afirma.
Com isso, as contas foram equilibradas. Mesmo com a bolha da internet, que explodiu no começo da década de 2000, o que fez muita gente desconfiar da lucratividade dos sites, o seu blog continuou sólido e, em 2004, já conseguia lucrar.
"Na época, eu fui promovido a gerente de desenvolvimento de softwares na empresa em que trabalhava. Mesmo com medo de perder a segurança financeira, achei que tinha mais talento para o marketing digital."
No ano seguinte ele se demitiu e partiu para empreender no mercado digital. Em 2006 criou um portal de blogs, que chegou a ter 40 blogs e 20 milhões de acessos, e em 2008 fundou uma agência digital. No entanto, em 2011, o projeto da plataforma se encerrou.
"As mudanças na internet são muito rápidas. Os blogs tinham acessos e eram populares, mas muitos eram muito focados em temas que não atraiam as marcas para anunciar. O modelo de negócios deixou de fazer sentido", reflete.
A ERA DO VÍDEO
Outro impacto grande para os blogs foi o barateamento da banda larga e a facilidade de se produzir vídeos. "As pessoas sempre quiseram ver vídeos, como mostra a televisão. Mas não era barato de se fazer e a internet devagar.
O texto é barato e ocupa pouco espaço", afirma. Com as facilidades, surgiu espaço para uma nova era de pessoas, que faziam as mesmas coisas dos blogueiros, mas agora em vídeo, que ficaram conhecidos com vloggers ou youtubers.
Eduardo Faria, o Venom Extreme, 33 anos, é um exemplo. Nunca teve blog ou seguiu um, mas adorava o vídeo de pessoas jogando videogame.
Como jogava Minecraft decidiu criar seu próprio canal no YouTube para mostrar suas habilidades. Morando em Portugal na época, e trabalhando como programador de CNC, não tinha nenhum conhecimento de como fazer vídeos ou editar.
Mas começou a ver tutoriais on-line e aprendeu. Seu primeiro vídeo, publicado em maio de 2011, teve 100 acessos e alguns comentários. Ele se empolgou e no período de oito meses fez mais cem vídeos, conseguindo 15 mil inscritos. Decidiu então que era hora de monetizar.
"Em pouco tempo, já ganhava quatro vezes mais que no trabalho e pedi demissão para me dedicar totalmente. Como Portugal estava em crise, meu chefe achou que era louco de largar o emprego para jogar videogame", conta.
Em 2012 já tinha 300 mil inscritos no seu canal, mas a consciência do sucesso foi quando veio ao país para a feira Brasil Game Show (BGS). Junto com Bruno Aiub e Leon Martins, outras estrelas do YouTube, eles causaram um furor entre os participantes do evento e tiveram que ser resgatados por seguranças de um mar de fãs.
"Foi quando caiu a ficha do tamanho da minha popularidade", revela. Hoje, ele tem 4 milhões de inscritos no seu canal e até 17 milhões de visualizações por mês, sendo o sexto canal mais visto no Brasil. Com o sucesso, além das receitas do YouTube, diversas marcas começaram a fazer propostas para vídeos patrocinados --o que já fez para EA Sports, Call of Duty e Live TIM.
Mesmo com a vitória dos vídeos, ainda tem gente que lembra com saudades os tempos áureos do blog.
"Para mim a grande fase foi entre 2000 e 2005, quando os blogs mais ativos e mais visitados eram genuinamente de expressão individual, antes de anseios de monetização e antes de todas as revistas e jornais terem também seus blogs. Mas talvez eu tenha uma visão romântica disso tudo por ter estado envolvido com o movimento naquela época", relembra Nemo Nox.