20 anos da Internet

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20 ANOS DE INTERNET.BR

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20 anos da Internet

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Bem-vindo a 1º de maio de 1995. Você não entrou no Facebook nem viu mensagens no WhatsApp ou tirou dúvidas no Google. Nada disso é possível, já que esses serviços só serão lançados ao longo dos próximos 20 anos. Mas já dá para, ao menos, acessar a internet e mandar um e-mail.

Naquele dia, começou a ser oferecida no Brasil a conexão comercial à rede mundial de computadores, abrindo para pessoas comuns as possibilidades já disponíveis para acadêmicos e pesquisadores.

Nesta página, com formato inspirado no desenho do site que a Folha viria a lançar dois meses depois, em julho de 1995, você vai conhecer os pioneiros da rede no Brasil e saber como os internautas mudaram nessas duas décadas.

O INÍCIO

O homem que 'ligou' a internet

Executivo Dilio Penedo, que era presidente da Embratel, na época estatal, durante projeto-piloto da internet

RICARDO BUNDUKY
DE SÃO PAULO

Em fevereiro de 1995, o engenheiro Dilio Penedo assumia a presidência da Embratel, na época uma empresa estatal, durante a implantação de um projeto-piloto que conectaria os brasileiros à internet.

A inexistência de regulamentação e a ausência de outras prestadoras do serviço geraram contestação à iniciativa, que foi vista como uma tentativa de monopolizar a internet, justamente no momento em que se debatia a privatização das telefônicas. 

Em entrevista à Folha, 20 anos depois, Penedo, 72, afirma que essa contestação foi fruto de um "desconhecimento técnico". 

Ele admite que o monopólio do serviço era discutido nos bastidores da empresa, mas que, formalmente, a Embratel não reconhecia e nem reivindicava o privilégio. Penedo cita um estudo feito pelo departamento jurídico da empresa sobre o assunto, a pedido do então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, e diz também que a Embratel nunca quis ser o maior provedor de internet do Brasil.

Folha - Como eram os embates políticos entre as correntes anti e pró-privatização do serviço de internet? 

Dilio Penedo - Eu tomei posse como presidente da Embratel em fevereiro de 1995. Nessa época ninguém falava de internet, era um assunto absolutamente desconhecido no Brasil. Era uma rede que operava nos Estados Unidos, havia sido financiada pelo governo norte-americano, uma espécie de defesa para salvar a inteligência na área de ciência e tecnologia. Como os computadores não se falavam, eles inventaram essa rede que permitia transferir memórias entre computadores, sobretudo nas universidades, mas também entre os computadores militares, de tal maneira que, se uma universidade, se um computador fosse sabotado, se houvesse alguma guerra, bombardeio, você teria toda essa inteligência salva em outro lugar. Hoje parece uma coisa muito simples, mas na época não era.

Alguns brasileiros que estudavam lá, fazendo pós-graduação, utilizavam essa rede e achavam o máximo. Essas pessoas vieram para o Brasil e foram para algumas universidades, no Rio, em São Paulo, e conseguiram estabelecer alguns links com interface na rede americana. A Embratel, que sempre foi uma empresa de alta tecnologia, era detentora das concessões de transmissão de dados, tanto no Brasil quanto na rede internacional. Então ela se interessou por essa questão da internet, que já era usada nos Estados Unidos comercialmente. A Embratel começou a fazer um projeto-piloto para interligar 20 mil computadores. E foi feito um projeto bem profissional, com treinamento de pessoal de atendimento. Não havia, evidentemente, regulação, concessão.

Algumas pessoas de dentro da Embratel achavam que o serviço de internet era de transmissão de dados, interpretaram dessa forma. Eram pessoas que defendiam que a Embratel deveria ter o monopólio da internet. Mas isso nunca foi uma posição oficial. Até porque era um projeto pioneiro, que a Embratel autorizou a realização com relativamente poucos recursos. Então começou a se discutir o quanto que iria cobrar.

E como essas universidades usavam a rede? Não era a Embratel que provia esse serviço?

Não era um serviço, isso é fundamental para entender o problema. O serviço que a Embratel prestava era alugar um canal. Alguém que tinha um computador, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro ou a PUC-Rio, alugava um canal que saía da universidade e ia até um ponto de conexão com a rede americana. A Embratel dava a interconexão desse canal e caía fora. O serviço era o mesmo que a Embratel já prestava a empresas que quisessem usar a transmissão de dados. Você pegava um canal de dados daqui, ia até os Estados Unidos, e lá nos Estados Unidos pegava outro canal de dados. Fazia uma interconexão. E isso a Embratel fazia, essa coordenação. 

Com o aumento do interesse, a Embratel fez esse projeto. Havia empresas subsidiárias de companhias americanas ou europeias que já usavam a internet nos EUA ou na Europa. E um dos primeiros, porque tinha uma relação, vamos chamar de privilegiada, com o ministro Sérgio Motta, foi o Betinho [o sociólogo Herbert José de Sousa], que queria fazer uma BBS [Bulletin Board System, espécie de pré-provedores de internet que permitiam mandar e-mails e participar de fóruns de discussão]. E se falava muito um nome: "backbone". Seria a futura rede de transmissão de dados que daria suporte à internet. O Betinho manifestou interesse e já havia pessoas trabalhando com ele. Ele queria fazer uma internet comercial, cobrando. Aí estava dentro do escopo de concessões da Embratel: montar um "backbone" nacional. Podíamos eventualmente prestar o serviço também em concorrência com outros portais. E o que aconteceu? Dissemos "Bom, a gente pode montar um 'backbone' de internet, mas não podemos dar um desconto". Porque eles pleiteavam ter o mesmo desconto que as redes universitárias tinham para os circuitos de transmissão de dados. 

Fizemos uma rede pioneira, importamos um roteador dos EUA. Em agosto de 1995, colocamos esse roteador no ar, instalado em São Paulo, com dois circuitos para os Estados Unidos. A rede nacional, o "backbone" da Embratel, foi ligado com a Sprint, dos Estados Unidos, e começamos a oferecer acesso a essa rede. Como era um roteador para atender a vários portais, você diluiria o custo da transmissão de dados. E começamos a ampliar esses circuitos para fazer face, à medida que foram entrando novos usuários. 

Depois disso, começou outro problema. Quando esse negócio começou a entrar em operação, descobriu-se a internet. E a internet foi amor à primeira vista de todo mundo. A imprensa se interessou muito. Eu assisti a reuniões, entrevistas coletivas, e todas as perguntas eram sobre internet. Uma parte muito grande das perguntas contestava o monopólio da Embratel. Esta contestação foi fruto de um desconhecimento técnico do assunto, porque, embora houvesse pessoas na Embratel que acreditavam que ela deveria ter o monopólio da prestação do serviço, não havia nada escrito e jamais saiu da Embratel um documento reivindicando o monopólio ou pedindo a regularização. 

Inclusive, quando esse assunto se tornou uma pressão muito forte, não permitimos a entrada em operação da BBS Embratel. E o ministro Sérgio Motta era uma pessoa de personalidade muito forte. Ele entrou com uma determinação grande de privatizar o sistema Telebrás o mais rápido possível. Queria falar sobre privatização, fazer a inauguração de expansões. E a imprensa simplesmente não permitia, ninguém queria saber de central de telefônica nova, cabo novo, satélite novo. Só queria saber de internet.

De que forma a agenda das privatizações pesou para a proibição da Embratel de prestar o serviço? 

Proibição não houve. Diante da repercussão negativa que havia sobre esse assunto e da falta de regulamentado, preferimos ficar no nosso campo de atuação, que seria ter esse "backbone" e mantê-lo com esse roteador inicial, que era uma coisa ridiculamente pequena. Era realmente um teste operacional de serviço. Um dia, o ministro Sérgio Motta me pediu que estudasse o monopólio da Embratel na prestação do serviço de internet, porque ele entendia que isso não estava dentro das concessões da Embratel.

Ele queria se livrar desse problema porque precisava cuidar da privatização, precisava privatizar o sistema telefônico, uma coisa importantíssima do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso. Ele fez quase um milagre. O sistema Telebrás foi privatizado em julho de 1998, praticamente em três anos e meio. Foi um prazo recorde na época. E ele achava que esse assunto de internet, como nos Estados Unidos, também era coisa da National Science, a agência de ciência dos Estados Unidos era quem administrava a internet. E ele queria transferir esse assunto para o Ministério de Ciência e Tecnologia.

A pedido do ministro Sérgio Motta, o departamento jurídico da Embratel fez um estudo sobre esse assunto. Eu participei desse estudo. Enviamos, dizendo que não reconhecíamos monopólio na prestação do serviço. Isso é importante, porque houve acusação de que Embratel queria ser monopolista. Isso é briga de bastidor. Do ponto de vista das relações institucionais, o único papel que saiu da Embratel sobre esse assunto dizia que a Embratel não se reconhecia concessionária monopolista do serviço de telecomunicações na internet. 

E nunca houve essa intenção [de ser monopolista]?

A intenção era nos bastidores, nos congressos. Mas, do ponto de vista formal, o único documento que saiu da Embratel sobre esse assunto foi o que mencionei. Houve um acordo entre o ministro Sérgio Motta e o ministro da Ciência e Tecnologia, que transferiu a prestação do serviço de internet para o Ministério de Ciência e Tecnologia. Eles criaram o Comitê Gestor de Internet, com representantes de várias entidades. Na época, a discussão é que era impossível você fazer uma rede de internet no Brasil sem a Embratel, porque só a Embratel tinha os meios de interconexão. O complicador todo no início foi esse, e a Embratel, evidentemente, não abriu mão dos preços. Isso só podia ser feito a nível de governo brasileiro, estabelecer tarifas especiais. Eu, presidente da Embratel, não tinha poder para dar desconto. A minha responsabilidade era cobrar o que o Ministério das Comunicações aprovava, para todos os tipos de serviço, Renpac, telefonia. Tinha desconto de noite, de madrugada, mas eu não podia dar um desconto para um "backbone" de internet. 

O projeto-piloto tinha uma expectativa de atender a milhares de pessoas em 1º de maio de 1995, mas apenas cerca de 250 foram conectadas. O que houve de errado?

Primeiro começou essa briga pela redução das tarifas. A outra discussão era conceitual: a Embratel tem ou não a concessão para prestar esse serviço de internet? Estava tudo montado, tinha pessoal treinado para atender o SAC da internet Embratel, uma tremenda de uma BBS. Nesse ponto, você ia cobrar pelo serviço, e, portanto, se ressarcir do custo dos canais internacionais. Mas não tinha tarifa aprovada. E havíamos calculado internamente um preço que seria cobrado. Mas preferimos tirar o pé do acelerador enquanto se discutia esse assunto formalmente.

No instante em que a administração da rede passou para o Ministério de Ciência e Tecnologia, o nosso ministro pôde tratar do assunto que interessava para ele, que era a privatização das telecomunicações. Isso talvez hoje seja difícil de entender, mas na época era um estresse. O ministro ia a um congresso de telecomunicações e ninguém falava de telecomunicações, só de internet. É uma explicação muito singela mas foi exatamente isso que aconteceu.

Qual era a ideia que vocês tinham sobre a internet na época?

O primeiro impacto realmente foi o e-mail. Ninguém sabia o que era, a massa da população. E quando se falou em e-mail eu fiquei muito interessado porque aumentava brutalmente o potencial de comunicação. Isso, para mim, foi um impacto quando explicaram como era -e essas explicações tinham que ser dadas porque isso virava recursos para investimento. Então fizemos muitos estudos sobre o assunto.

Mas 20 anos atrás estava começando a existir celular no Brasil. As redes de celular eram pequenas. Celular era caríssimo, era um tijolo. Carregar aquilo era desajeitado. Tudo o que aconteceu depois foi em cima de uma infraestrutura de eletrônica, de microeletrônica, de nanotecnologia, que permitiram o desenvolvimento de computadores de altíssima tecnologia.

Outro dia eu li que qualquer smartphone hoje em dia tem mais capacidade de processamento do que tinha a Apollo quando foi à Lua. O Brasil, em 1995, tinha um deficit de telefone fixo monstruoso. A privatização foi feita para acabar com isso. As empresas não conseguiam investir na velocidade que o mercado crescia. Na Embratel, a gente investia em torno de R$ 500 milhões, R$ 600 milhões por ano e não conseguíamos manter o crescimento dos sistemas das redes de dados e de telefonia. Pensa se alguém ia imaginar esse desenvolvimento tecnológico, acho que nem os livros de ficção científica conseguiam fazer essas previsões.