BRUNO FÁVERO
DE SÃO PAULO
Esqueça a profusão de redes sociais, aplicativos e sites sobre todos os assuntos. Quando a internet chegou às casas dos brasileiros servia basicamente para trocar e-mails, falar em chats e discutir em fóruns.
"Você podia fazer mais ou menos o que fazemos hoje no Facebook. Mas se você imaginar que o Facebook é um carro moderno, a internet de então era uma carroça", brinca o matemático Julio Botelho, 72.
No ramo da tecnologia desde 1969, Botelho foi uma das primeiras pessoas a testar o serviço de internet comercial no Brasil e chegou até a ter um pequeno provedor de acesso.
No começo, conta, a inexperiência de alguns usuários com a nova rede gerava confusões.
"Um dia ligou um cliente que queria saber de qualquer jeito como ele ligava a máquina de fax dele à internet. E para explicar que não tinha como?", lembra Botelho. "Foi um trabalho de tentar descobrir o que podíamos fazer na internet e, ao mesmo tempo, ensinar o que aprendíamos para as pessoas."
Botelho fez parte de um pequeno grupo de testes organizado pela Embratel em 1994 para usar a internet antes que fosse aberta ao público. Naquele momento, só algumas universidades tinham acesso à rede mundial de computadores.
Depois desse período, o serviço começou a ser oferecido também para usuários comuns e a fila para conseguir uma conexão chegou a 6.000 pessoas. Ainda em 1995, o Ministério das Comunicações lançou uma portaria proibindo a companhia de atender usuários finais e determinando que ela apenas fornecesse estrutura para os provedores.
"Quando decidimos trazer a internet comercial para o Brasil, escolhemos testá-la antes com pessoas ligadas à indústria, jornalistas que cobriam a área", diz o engenheiro Helio Daldegan, coordenador do projeto de internet da Embratel à época.
Botelho era dono de um serviço de BBS (Bulletin Board System), espécie de pré-provedores de internet que permitiam mandar e-mails e participar de fóruns de discussão, mas só entre usuários de um mesmo país ou região.
Os serviços de e-mail oferecidos então até funcionavam internacionalmente, mas uma simples mensagem podia demorar horas para chegar ao destinatário.
"As mensagens eram recebidas e enviadas pelos BBS três vezes por dia, quando nos conectávamos à rede internacional; com o tempo, passamos a fazer isso uma vez por hora, diz Charles Miranda, que era sócio do BBS Hot-Line e também participou dos testes fechados da Embratel.
Com a chegada da internet, e-mails passaram a ser instantâneos e usuários brasileiros puderam acessar sites internacionais e serviços de chat, como o popular Mirc.
PRIMEIROS USUÁRIOS
Como seus donos ganharam acesso antecipado à rede mundial, os BBS acabaram se tornando os primeiros provedores de internet comercial do país, e seus clientes, os primeiros usuários. O BBS de Botelho, chamado Unikey, era um dos maiores do país, com cerca de 2.000 usuários.
Um de seus usuários era Rafael Cresci, 33, que na época tinha 13 anos.
A primeira vez que ele ouviu falar de internet foi durante uma conversa em um dos fóruns de que participava pelos BBS. Depois, ficou sabendo dos testes da Embratel e tentou participar, mas sua idade o impediu –era preciso ser maior de 18 anos, e seus pais não estavam dispostos a assinar um contrato para usar um serviço que mal sabiam o que era.
Teve então que esperar quase um ano, até que a internet comercial fosse aberta, para comprar um CD-ROM da Nutecnet, que lhe garantia 20 horas de acesso mensais por cerca de R$ 35 reais –sem contar, é claro, os gastos com a linha telefônica, que era usada para fazer a conexão com a internet.
"Aquele negócio de globalismo, de se sentir um cidadão do mundo e não só local, de se livrar de preconceitos locais e conhecer novas experiências e outras mentalidades, isso tudo realmente foi acontecendo com um empurrão da existência da rede na minha vida", diz Cresci.
No fim, a internet acabou virando profissão. Depois de entrar nas faculdades de engenharia e de relações internacionais e de desistir no meio dos cursos, Rafael fundou uma start-up de tecnologia, vendeu-a para um grupo americano e hoje trabalha como gerente de operações da empresa de computação em nuvem Enzu.
EMPURRÃO
Sua história não é incomum –vários dos primeiros usuários de internet acabaram trabalhando na área de tecnologia.
"A chegada da internet foi um marco muito importante porque ajudou a formar um público que chegou a vários cargos de liderança na indústria de TI [tecnologia de informação] no Brasil", diz Gustavo Fuchs, que começou a usar a internet com 15 anos e hoje trabalha como diretor da Microsoft em Dubai.
"Naquela época, eu era um adolescente apaixonado por computadores que estava em busca de informações, a internet foi um acelerador sem igual, o que me possibilitou concorrer em um mercado que era tradicionalmente focado em profissionais com muitos anos de experiência", conta Fuchs.