BRUNO ROMANI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A capacidade de dar um "jeitinho" para tudo encontrou terreno fértil na internet. Essa e outras características dos brasileiros foram amplificadas e alimentadas pela chegada da rede ao país, avaliam psicólogos e sociólogos ouvidos pela reportagem.
O ambiente fértil para poder falar e mostrar os valores e a cultura atingiu em cheio o "complexo de vira-lata", expressão criada pelo escritor Nelson Rodrigues para descrever o complexo de inferioridade nacional em relação a outros países.
"Com a internet, o brasileiro começa a olhar mais para si mesmo. Isso é positivo? Não sei. Se você se olhar muito no espelho, você vira um narcisista. É difícil estabelecer o limite entre a forma adequada e a forma patológica de usar", afirma Cristiano Nabuco, coordenador do grupo de dependência tecnológica do Hospital de Clínicas de São Paulo.
"É comum ao brasileiro a capacidade de dar um jeito nas coisas com recursos precários, o que muitos chamam de gambiarra. É interessante notar que esses traços culturais do Brasil são muito afeitos às principais características da cibercultura que são: a remixagem ou práticas recombinantes e a reconfiguração constante dos objetos virtuais", explica Sergio Amadeu, sociólogo da Universidade Federal do ABC e pesquisador de cibercultura.
Duas décadas de internet, porém, ainda é pouco tempo para maturidade. "Ainda estamos apenas aprendendo a manejar essa ferramenta", diz Nabuco.
LUGAR AO SOL
"No Brasil, temos uma desigualdade social e cultural muito grande. Mas todos são iguais perante a web", afirma Cristiano Nabuco, coordenador do grupo de dependência tecnológica do Hospital de Clínicas de São Paulo.
"Na internet, existe uma homogenização e uma padronização de valores e todo mundo encontra um lugar ao Sol. Talvez, ela tenha dado ao brasileiro uma chance de ter uma voz no mundo. Não só no mundo global, mas no mundo local", diz.
Ganhar a própria voz implica em liberdade de expressão --tanto para falar como para bloquear aquilo que não se quer escutar.
"Nas interações face a face, a reação da outra pessoa diante do seu comentário pode inibir ou mediar o conteúdo e o modo como você se expressa. Hoje, você tem a disponibilidade de pensar, editar, reformular algo antes de ser enviado aos destinatários. E, também, você pode romper barreiras hierárquicas de comunicação que eram uma realidade até pouco tempo atrás.", afirma Guilherme Wendt, psicólogo e pesquisador da Universidade de Londres.
"Existe um recurso que anteriormente não era possível. Você tem a oportunidade de selecionar quem poderá ver o conteúdo que você publica. Imagine se, há 20 anos, teríamos como "bloquear" um vizinho, um amigo etc", diz.