BRUNO BENEVIDES
DE SÃO PAULO
Calouros vão comemorar a entrada na vida universitária em uma festa e, no dia seguinte, encontram as fotos da celebração --que incluem cenas de masturbação e menores seminus- na internet.
A história aconteceu em setembro de 2002 após um evento promovido pelo diretório acadêmico da FGV de São Paulo em uma casa noturna e foi o primeiro vazamento de imagens íntimas na internet brasileira.
Passados 13 anos, advogados ouvidos pela Folha disseram que esse tipo de crime hoje é mais comum, uma consequência natural da evolução da rede.
"A web mudou muito. Antes ela era um repositório de textos e vídeos, hoje ela é um espaço de socialização", afirma Thiago Tavares, presidente da SaferNet Brasil (ONG de defesa do direitos humanos na internet).
Segundo ele, o internauta brasileiro é muito intenso, entra de cabeça em qualquer discussão, seja política, sexual ou ideológica, o que facilita a disseminação das imagens. Casais gravando o próprio sexo, continua Tavares, sempre aconteceu. Para ele a diferença é que agora a tecnologia permite a disseminação das imagens com muito mais rapidez.
O advogado Cláudio Mattos, especialista em propriedade intelectual, considera que ocorreram mudanças tanto no campo legal quanto no cultural. "Não foi só a Justiça que mudou, foi a própria população que passou a entender melhor a internet", disse.
ESQUECIMENTO
Já Frederico Ceroy, presidente do IBDDIG (Instituto Brasileiro de Direito Digital), alerta que às vezes é melhor não entrar na Justiça, pois isso pode chamar ainda mais atenção para as imagens --o chamado "efeito Streisand".
Em 2003, um fotógrafo tirou uma foto da mansão da cantora americana Barbra Streisand. Inicialmente, a imagem passou despercebida, mas a procura explodiu depois que a artista entrou com um processo contra o autor.
"Se há um processo, todo mundo descobre como acessar. Você até consegue tirar o original, mas ele já está viralizado", afirma Ceroy. "Dependendo do tipo de conteúdo, é melhor não mexer, porque vai gerar um dano", completa.
Segundo Renato Opice Blum, advogado especializado em direito digital, uma das dificuldades nesses casos é conseguir enquadrar o ato em algum crime. "Você pode colocar como difamação, mas nem todo o juiz aceita e a pena é baixa, ninguém vai preso por isso", afirma. O mais comum, explica, é o processo por danos morais, buscando uma compensação financeira.
Os processos envolvendo a festa da FGV ainda estão correndo na Justiça. Um dos alunos envolvidos na divulgação das imagens foi expulso da faculdade na época. Como os processos estão em segredo, os nomes dos responsáveis não foram divulgados e os advogados não quiseram comentar o assunto.
Para Blum, essa demora na resolução do caso ocorre em parte porque não há uma lei específica contra esse tipo de crime, apesar de uma série de mudanças recentes na legislação sobre o assunto.
Entre elas está a Lei Carolina Dieckmann, de 2012, feita depois que um hacker invadiu o computador da atriz e divulgou fotos em que ela aparecia nua.
A lei trata apenas do roubo de dados e não da divulgação destes. Assim, só pode ser aplicada se alguém viola a segurança para invadir um equipamento e acessar informações. "Se o seu celular não tiver uma senha ou se você deixar o seu computador aberto e alguém pegar as imagens, não vai contra a lei, não tem crime", exemplifica Ceroy, do IBDDIG.
A legislação também não pode ser acionada quando o próprio autor das imagens é o responsável pela divulgação, como no caso da "revenge porn" ("revanche pornô", no qual alguém vaza fotos íntimas do parceiro ou parceira).
A falta de aplicação do Marco Civil da Internet --outra mudança legal recente-- é criticada por Blum. O código previa aulas de educação digital nas escolas como uma das formas de evitar os casos de vazamento de imagens. "Isso nunca foi cumprido, não conheço nenhum lugar que tenha dado as aulas", disse.
Ceroy concorda que a educação é o melhor modo de evitar esse tipo de violação da privacidade no futuro. "Conscientizar é o caminho, a lei não vai conseguir resolver", afirma. "A tecnologia não vai nos salvar."